Sábado, 6 de Novembro de 2010

... de tempestades de novembro (ou de ilusões de óptica ou ainda de azuis)

 

Enganada pelos próprios olhos. Seu corpo ia para frente, seus olhos, mesmo olhando nessa direção, enxergavam o caminho deixado para trás. Olhos turvos, úmidos, atarantados. Os pensamentos diante de tantas direções corria contra todas, ou a favor de todas. Sem direção, sem sentido. Nada fazia o menor sentido.

Mas talvez a física pudesse explicar. Refração da luz e reflexão.

O vidro que outrora a protegera de olhares, a camuflara entre outros corpos e outros rostos, que denunciara a subversão alheia, o vidro. O vidro, como sempre, não transparecia. Seu encantador semitransparecer lhe concedia a possibilidade de observar a tudo, todos e mais além. Era uma dádiva concedida a todos, mas nem todos haviam se dado conta. Mas o céu lhe segredara algo.

Uma visão incomum. Um conselho das nuvens: usar e ousar da perspectiva que só ela possui. Nuvens que desmanchavam-se  com frescor. Tapavam o sol que florescia, ardia, mas não convencia. Tentava escapar pelas entranhas das nuvens e seus raios eram tanto quanto modestos. Mas isso havia ficado para trás. Espelho de um passado contemporâneo. Os lados denunciavam um pano de fundo completamente azul, entre anil e calcinha.

*****

Em extremos, seus iguais (mais conhecidos como azul marinho e azul royal) agora a observavam e incompreendiam e relevavam. Ressaltavam. Cochichavam. Como se o vidro não os denunciassem, pobres parvos. Assunto? Castigo: cinquenta chibatadas para quem não adivinhar. Esqueçam as chibatadas.

Afinal, seria só mais um longo ensolarado dia de novembro. Mas alguém me disse, há certo tempo, disse que há uma calmaria antes da tempestade, I know. Mas você já viu a chuva cair num dia glorioso?

Oh, novembro, vá-se embora logo. Ninguém precisa de você.

 

(05/11/2010, sexta-feira)


por Dani Takase às 23:32
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Sábado, 25 de Setembro de 2010

... de saliência ou de um mundo mundano.

 

Como pode uma carcaça sobre rodas manter tantos segredos e histórias? Tantos interlocutores e enredos. Os personagens se vem e se vão sem delongas. É costumeiro mas não é posse. É uma aventura épica a cada oportunidade, pena que nem todos enxerguem assim.

Ônibus é o nome disso. Conhece tudo e todos, cada sotaque, cada trabalhador - talvez não os de alta patente, mas esses não são dignos desse conhecimento abrangente do ônibus. Imaginem só a catraca como se sente, conhece todos os estereótipos possíveis de corpos cansados de debruçam-se e esbarram-se por ali todo santo dia.

Agora sou o vidro que observava, observava e refletia o segundo banco após a catraca, do lado do motorista. Uma mulher com ar doméstico, de quem lava, passa, cozinha, usava roupas baratas e que lhe caiam mal; destacavam um corpanzil deteriorado pelos anos, mas não lhe tirava a feminilidade. Ela se senta naquele banco, vai a janela com cara de quem busca por sossego. Busca jogar nas ruas as angústias que carrega.

Eis que surge um sujeito grisalho. Quarenta? Cinquenta? Nunca saberei. A janela é de vidro, não é bola de cristal. Eu vejo e narro o que vi, não adivinho. Ele era dono dum bigode também grisalho. Uma cara pitoresca, daquelas que a beleza despreza, mas a pobreza se orgulha. Senta-se ao lado da mulher. Estariam eles conversando? Isso não é de meu interesse. Para mim, uma janela de vidro, os raios de meio-sol que transparecem me parecem mais agradáveis que a conversa de duas pessoas randômicas. Ok, mas eles estavam falando alto demais, era chamativo. Após alguns segundos se encarando, um estralo. A coxa da mulher se avermelhou, não me resta dúvidas, e foi apertada por uma mão previamente conhecida, cheguei a essa conclusão depois de ouvir o galante cochicho:

- Você se lembra daquela noite? - não foram só meus olhos onipresentes e transparentes que se arregalaram diante de tanta ousadia, todos ao redor olhavam surpresos. E qual reação esperavam da mulher?

- Deixe de saliência, homem! Deixe de sa-fa-de-za - dizia a mulher se desvirtuando dos dedos que fincavam-lhe a carne da perna, como se com essa esquiva se livrasse dos olhares, um tom desesperador. - Você sequer me ligou.

- Ah, mas você não ligou também e... Me diga, como vai sua vida?

- Arranjei um namorado aí. Imprestável. Acredita que eu dei um sapato de 100 real de presente de Natal e ele nem presente me deu, acredita? Vê se pode...Terminei com o traste, não soube me dar valor.

- É, que coisa feia, mais deselegante. Se fosse comigo eu daria um denguinho, não é? Não se faz uma coisa dessas...

- Mas e você? Soube que você estava de namorico...

- Não mais. Ela não era pra mim, sabe? Ela era possessiva demais, sabe? A gente estávamos dividindo apartamento, sabe? E era assim, um dia eu cheguei cansado do trabalho, deitei no sofá, pedi um dengo e ela ficou brava. Sabe por quê? Porque era aniversário dela e eu não lembrei. Ah, mas é demais uma coisa dessas.

- Vê se pode uma coisa dessas...

- Mas e o Tonico?

- Ah, esse aí não presta! Acredita que ele terminou comigo porque me viu nos amassos com o Tonhão? Isso lá na estação. Ô homem bom! Mas aí ele viu, e terminou. Vê se pode...

- Mas então, que dia vou poder te visitar - aquela história de mão boba nunca foi aplicada em situação tão incômoda quanto parecia estar sendo para aquela mulher.

- Deixe de saliência, homem, deixe de safadeza! - desconsertada muda de assunto - E quando é que você volta a trabalhar no mesmo turno que eu?

- Estou vendo, depende do chefe... Saudades de fazer gostoso no ônibus... - aperta ainda mais vorazmente a pobre mulher.

- Chega de saliência, homem!

- Nossa, suas coxas estão gostosas, andou malhando?

- Na verdade, estou sim. Ontem o professor ia fazer a gente dançar forró, daí nem tem muito homem na sala e todas as mulheres foram assanhadas para ele, mas eu não, olhe lá! Mas aí ele falou que já tinha escolhido o par dele, e me tirou para dançar.

- Hm,- constrangimento? Mas qual! Sequer ouviu - mas eu percebi que você andou malhando, tá cada vez mais goxxxxtosa!

- Deixe de saliência, hooomem! Deixe de SA-FA-DE-ZA.

Talvez aquela conversa tivesse continuado. Talvez ele tivesse conseguido o que queria. Talvez as janelas tivessem estilhaçado e já não observassem e ouvissem nada. Mas não se estilhaçaram. A porta rangeu, a narradora saiu, o ônibus sumiu Alvarenga a dentro. Mas naqueles bancos, sabe-se lá o que passa nesses turnos, nessas noites memoráveis, nessas saliências... O homenzinho saliente vive dando as caras por aí. Já foi engolido por aquelas portas que rangem diversas vezes. Passou ponderoso sobre aquelas catracas, sentou em diversos bancos, ora vazio ora acompanhado. Sempre vigiado sob o olhar curioso da janela que vos fala. Transparente, nada me foge, nem mesmo que o queira. Perifericamente.

aos ouvidos: Viés - Vivendo do Ócio

por Dani Takase às 06:11
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