Sexta-feira, 20 de Agosto de 2010

... de libertar a América com vermelho.

 

Imaginei todo tipo de metáfora, de comparação e hipérbole, frase feita, plagiada, mas nessas horas em que a emoção toma o peito, a garganta e o corpo inteiro, o jeito é falar a verdade e a não-poesia que vier a cabeça.

Que esporte mais sem propósito: até que ponto chega o ser humano ao correr atrás de uma esfera. Não, não é só um jogo, tem todo um propósito, uma meta em comum, um espírito de equipe.

Uma vez há não muito tempo, o que me levou às lágrimas não foi um sentimento lá muito digno: vingança. Ah, desprezo, raiva, rancor. Era uma criança boba, que nem sabia o que era impedimento. Mas as lágrimas caíram e a América foi pela primeira vez tomada de um espectro rubro. Mas isso eu não vivi. Apenas presenciei. Observei de longe.

Eis que o mundo é vermelho. O sentimento já era mais sincero e espontâneo: alegria de ver o mundo consagrar o Internacional de Porto Alegre campeão. E quem conhecia o Internacional?  Eu, e isso bastava. E eu já sentia e esbravejava: eu quero ser colorada.

E futebol passou então a ser palavra comum no meu cotidiano. Começando pelas regras básicas. Primeiro passo para que o futebol não se torne chato: aprenda o que é o impedimento. Então, o que era simpatia virou paixão.

Nascer, crescer, viver, morrer torcendo para algo nunca me soou poético. Sempre achei a atitude da escolha o lado mais bonito do torcer. E fiz minha escolha. E não escolhi errado.

Num deslize, uma baixa colocação e enfim campeão da Sul-americana, campeão de tudo. Um centenário obsessivo, sedento por títulos. Contentar-se com um Estadual não foi o suficiente. O vice-campeonato não serve de consolo.

Era preciso foco e vontade; raça e coragem. Cambaleando foi-se, classificações apertadas, jogos acirrados e dúvida, muitas dúvidas.Vencer a tormenta de verão em sua casa. Os Estudiantes. Sufoco e que sufoco! E sob uma nuvem de fumaça, fumaça imprudente de quem comemora antecipadamente, ah!, é agora a semifinal: clássico dos clássicos na minha condição de colorada estrangeira. São Paulo e Inter e era Roth. Um retorno sem derrotas, um retorno triunfal. Um time que inspira confiança e aspira alegria, transpira bom futebol. Um jogo monstruoso no Beira-Rio, jogo de gigantes que só teve um  gigante, que se mostrou longos noventa minutos muito superior. Mas se tratavam de cento e oitenta minutos. A primeira tarefa bem cumprida. A parte difícil era ganhar de Cícero e todos os seus discípulos. Derrotar um ídolo que trouxe tantas alegrias mas fazer com que o palco fosse o cenário da mesma alegria de anos antes. E foi. No começo um dois-zero de roer todas as unhas borradas de vermelho e destruir a camisa e todos os objetos a alcance. Jogo tenso, muito tenso, mas e agora? É agora? Gol! E que gol! E que gol! E foi a derrota mais vitoriosa da história.

A euforia e os bons ventos sopraram, a peste arrastou um time parvo até ali. A superioridade do inter é tamanha e incomparável. Mas "era só não deixar aquela entrar, tirar dali, tirar dali, gol, do Chivas". Que expressão que havia no meu rosto. Incredulidade? Estava pasma, mas confiante. Era injusto aquele resultado e havia quarenta e cinco minutos para reverter de imediato, e então, voltar para casa para definir. O resultado poderia ser melhor: gol, do predestinado. E gol de passes improváveis: passe de cabeça dum nativo para um libertador. Gol de dois campeões e, logo, no fundo eles sabiam - e Tales diz que sabia, e como sabiam - bicampeões.

Mas parece piada, seria tão fácil assim? Casa cheia e um Beira-Rio pulsando como um coração só, xalaialaiá, e gol. Gol? É, gol. O inter superior mas, como sempre leva o susto previamente. Mas voltaram com um propósito ainda mais aparente, e agora sem nervosismo. Estava claro, vamos para cima, vamos. Quase! Por tão pouco. Foi falta, foi indigno, desrespeitoso, desleal! O touro caiu, mas não desiste, é caído que faz o passe, chega para alguém, cruzamento belíssimo e é, sim, foi! Foi! Gol! E de novo, de novo, sozinho, o touro só se aproximou, a pressão psicológica foi tamanha que culminou no passe errôneo, passe errôneo que em cinquenta e um metros de coragem e com a precisão, mais um? É, e lá vem mais. É seu, predestinado, e foi e só então senti o Guaíba sair de meus olhos. Não é preciso dizer que um gol foi tomado. São detalhes que compõem e estragam a verdade: era campeão. E a América era vermelha novamente.

E não foi vingança que me fez gritar, foi maior que isso. A América dormiu vermelha, o dia amanheceu avermelhado, as unhas vermelhas, a blusa vermelha, o batom vermelho. Mas não foi esse o vermelho que me levou essa alegria. Foi o vermelho do sangue que pulsa entre as veias e faz bater um coração no meu peito. Um coração mais colorado que nunca, mais vermelho que nunca. Comi morangos e o sol se pôs num crepuscular rubro.

"Eu quero saber, você já viu a chuva caindo num dia de sol? Já viu a chuva caindo num dia glorioso?"

 


por Dani Takase às 03:45
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