Literalmente não é para romances que havia nascido. Toda e qualquer palavra que escrevia na pretenção de uma narrativa amorosa, uma carta, uma poesia, um cartão, uma canção, uma demonstração mais concreta que seja, era frustrada. Não por falta de tentativa.
Quando criança, metida a poeta, rimava "flor" com "amor" e "risadas" com "mãos dadas", mas por que agora falar de amor era tão frustrante? Talvez a percepção de um cenário contemporâneo onde o amor é banal e mundano a frustrava. Discursos clichês, juras em falso, declarações pré-determinadas num manual de instruções que não se vende em livraria, mas está disponível para download na internet.
Essa metodologia de amor pós-moderno a amargurava e a deixava desacreditada. Perguntar para o rádio o que é amor, não é mais uma alternativa como antigamente. Não são grandes clássicos, são diálogos engraçados.
... Não vale nada, mas eu gosto de você... tzzzz... com outro alguém do seu lado... tzzzzz... aleluia irmãos!... tzzzz... eu sou uma bela vadia, neném, eu quero seu romance ruim... tzzzz...
E depois de todas as frequências, de provar todas as melodias, concluiu que não era com contratos comerciais que ia se identificar. Talvez procurando mais profundamente, algo que a completasse.
Procurou definir o mundo como uma história narrada pelo amor. O pôr-do-sol seria um momento inacabável. Todo um gradiente de cores, azuis que se tornariam rosados, laranjas, amarelos, roxos, azuis, laranjas, azuis, laranjas, azuis. E então viria a lua. E o que seria a lua? Seria um absurdo não ser a lua mais redonda e brilhante e estonteantemente gigante. Para não falar das estrelas que formariam um liga-pontos sem fim diante dum fundo tão negro que seria comparado aos olhos de alguém. O nascer-do-sol não faria por menos, afinal surgiria do meio das montanhas e acordaria lentamente os olhos que repousam. Mas não citou personagens. Só descrevia a paisagem. No fundo era o que mais importava. Os personagens eram sempre relativos e surreais que o amor não se importava. O narrador já poderia ter cada história de cór, mas não deveria revelar os segredos de ninguém.
E ela não acreditava que o amor fosse narrar sua história tão cedo. E nem se preocupava. E nem se importava.
Num mundo que ela inventava, o amor narrava; o cenário, impecável; o enredo, um mistério; os personagens, indiferentes. Mas e o tempo? A eternidade.
Só pra constar: um instrumento não faz música sozinho. O som trêmulo e aparentemente desafinado de um violoncelo abandonado, não tão sozinho não é mais trêmulo e desafinado. Uma flauta que ecoa tilintante e irritante em meio a vozes, sintonias, melodias, notas, sóis, lás, sís, dós...
Lá, lá, lá.
Ficar doente depois de ter sido curada. Assim estava ela. Às vezes seu estado físico refletia em seu estado emocional: descontrolado e imprevisível. Ela gritou. Suas cordas vocais continuaram vibrando, mesmo depois que o grito saiu. As lágrimas já estavam brotando e a frase ficou incompleta no ar pelo resto dos tempos. Só ela sabe como poderia completá-la, e ainda assim duvidava se um dia teria audácia o suficiente para a completar.
Quando achou que nada ia dar certo, ninguém a deu ouvidos. Parecia absurdo tanto pessimismo - realismo. Pillow Cryier, se autodenominava. Soa como algo bom, mas poucos sabem o que é ter esse sentimento.
Não era um frio comum. Quando o frio externo é preferível ao que se sente por dentro, não é bom o que isso significa. Uma frieza incomum. Uma distância incomum. Incomum.
Enquanto abraçava o travesseiro, cada lágrima caia deixava ainda mais patética a situação. O livro estava marcado com duas lágrimas. Não era justo com as páginas amareladas.
Se dependesse de sua força de vontade, a engrenagem do mundo pararia de funcionar, porque o sentimento de solidão no fundo, bem no fundo, a fazia bem. Era de certo modo, um jeito mais rápido de ver a independência.
Só sabe que precisa de certo abraço. Tem nome, sobrenome, apelido, endereço, telefone. Whatever. Precisa de café, de boas noites de sono, de sonhos. De palavras.
Como já era de se esperar, olhava pela janela. Via o céu mudar de cor e as nuvens de forma. Conforme o fluxo de carros ia aumentando, aumentava também o nível de dióxido de carbono - tanto na atmosfera quanto em seus pulmões. Aumentava também seu mau humor. Regado a café e cigarros assiste ao sol omitindo uma gélida verdade: era o dia mais frio do ano.
Conforme as folhas iam caindo no mesmo jardim onde rosíssimos botões se abriam lentamente. Seria um péssimo dia para um cronista de palavras homicidas.
Assim que liga o carro, joga o jornal no banco de passageiros, desiste de sintoniza qualquer rádio que toque qualquer música que seja de um sex appeal vulgar demais para seu apurado gosto. Passando por debaixo de uma estrutura estranha que alguém chamaria de passarela, lê: "Agradeça ao presidente pelas obras do Rodoanel." Logo mais a frente, "Governo de São Paulo, melhorando cada vez mais. Agora com o Rodoanel."
Era um tanto quanto paradoxal.
Ele se julgava paupérrimo demais para ser de direita, mas era (inteligente) racional demais para ser de esquerda. Não sabia no que acreditar. Só sabia que não acreditava no homem. Nem na palavra. Honra? Verdade? Esperança? Ordem? Progresso? Difícil de acreditar.
"Agradeça a seus pais, avós, vizinhos e amigos, ao motorista do caminhão de lixo ou ao dono do maior empreendimento que conheça, afinal todo o suor culminou nas obras do Rodoanel."
Foram suas últimas palavras.
Domingo, domingo de maio, outono, frívolo, pessoas fazem compras, pessoas compram flores, fazem cartões e acaloram esse tão frio domingo de maio.
Mas afinal, qual é o tão encantador e nobre sentimento de ser mãe? Numa ordem cronológica bem imprecisa venho fazendo algumas peripécias. Cartões, normalmente pomposos e infantis, poesias com rimas e estrofes simétricamente patéticas. Talvez com a certeza de que o papel fosse para o lixo - não, não é uma coisa que ela faz. Embelezava coisas que já eram dela, só para disfarçar a falta de dinheiro que se tem aos 7 anos para dar-lhe alguma coisa. Encaixotar o brinco de pérolas que ela deixava jogado. Ganhando mais experiência(talvez?), redefinindo conceitos. Deixando os cartões e os "presentes" de lado e apelando para as palavras.
Desde que comecei a apelar para as palavras, nesse dia, nessa época, fico mais sensível e perceptiva a detalhes e emoções das pessoas alrededor. Buscando em vão decifrar qual é, afinal, o segredo. Qual o mistério.
Imagino que em breve ela mereça mais que palavras, mais pensar em material é pensar obrigatoriamente em renda - uma coisa que falta a uma adolescentezinha de 15 anos. Ela vai ter que esperar. Ter que esperar a panela de pressão que cansei de prometer.
Dessa vez ainda não sei. Já passa de meio-dia e ainda devo-a um abraço.
Pensar em mãe e pensar em heroína sem pensar em vilã. Pensar em paz sem pensar em guerra. Pensar em amor em pensar em ódio. Pensar em alegria sem pensar em TPM - pelo menos hoje.
São raros os vespertinos vazios no ônibus que me inspira tanto. Mas fugi de muita coisa. De um almoço em família, talvez. De congratuções pra milhares de mulheres, grandes mulheres. E como dizem por aí, "É na multidão que a gente se sente mais sozinho". Uma jaqueta azul, uma camisa xadrez, uma camiseta com fita rabiscada, uma jeans velha, um allstar limpo e zero quilômetros.
- Papai, mas que flor você vai comprar pra mamãe?, diz enquanto se debruça entre o ombro do pai e entre a janela do ônibus, com o dedinho esmagado que aponta para um vendedor de flores. - Ah, flores! talvez em breve tenha meigas coisas pra falar sobre flores. Envolve flores. Me envolve.
Quem sabe um dia quem ganhe esses cartões pomposos seja eu. Com uma princesa desenhada, ou então uma bola de futebol. Uma menininha pra levar ao ballet, ou um menininho pra levar ao judô. Um nerd pra comprar livros ou alguém pra ter que ensinar matemática. Me imaginar como uma criatura dócil, sensível, maternal? Difícil. Possível.
Ganhei um tango, um autógrafo, um sorriso, um olá. Tudo muito normal. Um tango. Tudo o que eu precisava.
Feliz dia das mães, pra quem é/quer/pretende/analisa/simpatiza, whatever.
Uma síndrome de movimentos repetitivos, apesar da semelhança com um nome que se batizaria uma doença, é tanto quanto psicológico. Uns rabiscos sonoros numa tira de papel, um nó, algumas dobras, uma estrela, abre o bolso, uma constelação, mais uma estrela, pega o telefone, chama até cair, guarda o telefone, uma tira de papel, uns rabiscos sonoros, um nó, algumas dobras, uma estrela, uma constelação. Assíndeto.
Nem o trânsito nor os movimentos frenéticos do ônibus coletivo poderiam estragar seu humor. Nor resultados futebolísticos, nor políticos, os resultados mais esperados eu já alcançara. Pretérito perfeito.
Tudo conspirava a dar errado dali uns dias. Tudo muito improvável. Doesn't matter. Esperança está aí pra isso.
Pega o telefone. Chama até cair.
~ nor salient boy at all ~
Parcialmente bon voyage, boa gripe, bom frio, boa noite de sono, bom café. Parcialmente longa voyage, longa gripe, longo frio, não-longa noite de sono, longuíssimo café.
Uma estranha com mesmos trajes, risadas escandalosas. Um bicho dourado, uma pomba, um cachorro, um cachorro, UM CACHORRO!
- Some daí!
Foi por pouco. Não vi, não sei. Embaixo? Ao lado? Vivo? Não sei. Nunca saberei.
Curvas audaciosas, até demais. Só mais dez minutos. E então solidão, perhaps.
Ou não. Não mesmo.
Aquele pátio vai ter só duas vozes até às 10. São só boatos. Calúnia.
May is coming.
Pega o telefone. Chama até cair.
E esse final com descrição de começo? Quase hipérbato, quase anacoluto. Preciso parar de classificar as coisas assim, já fui avisada.
Daqui uns dias chegará um grande envelope amarelo. Be careful.