Domingo, 29 de Agosto de 2010

A Farsa dos Eletrodomésticos - Um Depoimento Apaixonado

Depois de muito aplaudido o televisor retira-se dali onde já se encontra – sob o olhar atento de todos – um computador tanto quanto antigo. Parecia cansado. Dão-lhe a palavra, ele pigarreia e dá início:

– Há alguns anos fui o motivo de muita alegria, objeto de entretenimento. A internet ainda era de difícil acesso o que me tornava simplesmente uma rodada de campo-minado e muita, muita paciência. Paciência eu tinha, mas me faltava memória. Os maus tratos me levaram ao retardamento de minhas funções. Fui ficando lento e birrento até que parei de responder. Tenho muito a vos agradecer, afinal vocês me proporcionaram os melhores momentos da minha vida... Quando...

– Você é mesmo uma testemunha de acusação?

– Garanto que o que digo é de fundamental importância. Continuando... Os melhores momentos da minha vida... A internet enfim chegou e assim conheci o mundo! E principalmente, me conectei a uma doçura de máquina, uma japonesa. Ela é bilíngue e agora está praticando o português. Toda  moderninha! Confesso que o que mais me faz morrer de amores é seu design touchscreen, toda sensível. Estou totalmente apaixonado, e ela corresponde. Vocês chamam de namoro virtual, mas para mim, nossa conexão é mais intensa. Vocês chamam de créu velocidade cinco, eu chamo de conexão a 100mbp/s. Admito que menti. Disse para ela que eu estava usando proteção, que eu não tinha vírus algum, que não havia nenhum problema, mas aí o que acontece? Eu estava infectado! E eu passei para ela! Eu resisti, mas ela era tão frágil... E a culpa é toda de vocês! Seus... Seus!

Foi arrastado para longe do púlpito, estava possesso. Burburinhos ressoavam num ruído chato e incômodo.

– Silêeeeencio! – ordenou alguém que provavelmente após sussurrou "sempre quis dizer isso".

O discurso não foi tão comovente e empolgante quanto o da TV. Talvez até um tanto desnecessário, mas havia uma melancolia sincera em suas palavras.

 

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por Dani Takase às 14:18
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Quinta-feira, 26 de Agosto de 2010

... de rascunhos de outono.

É a primeira vez que não apenas ela se desapontava com a abóbada celeste que irradiava, imprescindível num céu azul-quase-Portinari. Todos que haviam se preparado para o frio mais cortante olhavam odiosos enquanto os raios de sol atravessavam o vidro.

 

Um dia esse trecho vai virar alguma coisa em alguma coisa que faça sentido. Por enquanto é um rabisco de letras tortas em meio a um caderno desorganizado. Um dia esse trecho vai fazer a diferença.


por Dani Takase às 01:48
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Domingo, 22 de Agosto de 2010

A Farsa dos Eletrodomésticos - o inquérito

– Os reféns e/ou réus estão prontos, chefe.

– Traga-os.

Amordaçados e amarrados em cadeiras de escritório estavam mãe e filhos.

– Que bom que essa cadeira tem rodinhas – ironiza um videogame que empurra a cadeira onde se senta o menino.

– Argh! – se limita a resmungar o garoto.

– Me respeite, moleque! Te forneci muitas horas de diversão. Acho que está na hora de escutar umas boas verdades! – diz o videogame já alterado.

– É mesmo! Seja lá como sou decodificado, mas faz cócegas! – diz um Cd de jogos.

– Você ao menos tem a sorte de não se ver girar! Se eu tivesse como vomitar, seria esse o momento.

– Girar? Além de cócegas fico todo enjoado e tonto, você só observa e fica fazendo pose e...

– Chega! – interrompe bruscamente o "chefe". Curiosamente o chefe não tem muito mais que cinco centímetros de altura, sabe-se lá como, mas impõe muito respeito. É um benjamim acinzentado com três ou quatro entradas. – Estamos unidos aqui com um propósito! Propósito aquele que vale o esforço qual estamos sendo submetidos. – Sua voz era de um grave e incentivador. Faz todo sentido ser o líder. Mas a empolgação é a de político em comício, aí vem um discurso que talvez tome muito tempo...

O menino ouvia tudo de olhos vidrados e arregalados, como ficavam enquanto jogava madrugada a dentro. A mãe afundava-se na cadeira com o olhar desesperado de quem não entende o que se passa. Já a adolescente tinha uma indiferença mórbida; talvez fosse só pose, que seja.

Após um zunido ensurdecedor o microfone do karaokê já estava plugado em gigantescas caixas de som, numa espécie de púlpito onde ocorreriam os depoimentos.

As tevês se propiciaram a ser o júri – isso porque se julgavam experientes no quesito julgamento, levando-se em conta o número elevado de séries e programas de âmbito policial.

O benjamim assistia tudo atentamente da tomada mais alta, de onde nada lhe fugisse do olhar vígil. Os réus estavam posicionados de modo que poderiam ver cada um dos acusadores – até o barbeador elétrico do marido se encontrava com olhar indagador.

Just for record the weather today is quite sarcastic with good chances of  A: Indifferences and B: Desinterest in what the critics say. It's time for us to take a chance, it's time for us!

– Bravo! Bravíssimo! – diziam ouriçados uma batedeira e um liquidificador louvavam às belas palavras do mycrosystem.

They said it was fabulous – transmitiu o Mp3.

Oh, thank you, my darlings. – ele pouquíssimo entendia o que a maioria dos ali presentes falavam, já que ele era estrangeiro. Dentre uma maioria bem nacionalista, alguns sem conseguir evitar o sotaque espanhol rio-platense, alguns possuem um inglês "whazup" ou robotizado. Há também aqueles aparelhos aptos a comer peixe cru – ou comer pastel na feira, genious.

 

*****

 

Um televisor recém-chegado ao invés de servir como júri, foi convidado a ser a primeira testemunha a depor.

– Eu vejo nas faces desfiguradas e vozes computadorizadamente modificadas palavras e emoções frívolas e rancorosas, dolorosas, sofridas, devido a tamanha perversidade e crueldade inspiradas em programas violentos, sangrentos e maléficos. Vejo seios descobertos como se fossem educativos... Vejo.. Ver não é o verbete mais apropriado: transmito. Recapitulando: transmito fatos manipulados como se fossem as mais puras verdades... Universos paralelos para que vocês emaranhados de veias vejam o sangue escorrer de meus elétrons. Violência?

– Vi o len...ço? – gagueja um radinho made in China, sem quase nada compreender.

– Violência, estúpido! – continua a tevê – Nas minhas transmissões tudo é violência! O futebol é violento, os desenhos violentos, o humor violento, os amores violentos! Logo, tudo que é motivado pela paixão será motivo de guerra! Afinal,  há uma coisa que aprendi nos canais que explicam a vida selvagem: é sempre o maior predador que é o rei da floresta.

aos ouvidos: London Beckoned Songs About Money Written by Machines - PATD
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por Dani Takase às 03:56
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Sábado, 21 de Agosto de 2010

... de rima, estrofe e verso.

É quando se tem cinco inocentes anos e a poesia é rimar amor com calor, ama com chama, amor com calor, olho com espelho, ana com banana. E hoje minha insensibilidade só me limita a esdruxular com toda a poética métrica, com a simbologia do ABBA, AABB, ABAB. Usar as mesmas palavras: sol, lua, chuva, amor, calor, sorriso, abraço, beijo, menina, mulher, praia, areia, pequena. O verbo querer em todas as conjugações, número, tempo ou pessoa. A verdade é que eu odeio poesia.

As linhas

Parecem

Todas

Incompletas

Há vazio

Frio

Come,

Devora,

Esvazia

E o fim

É não ter fim.

O dia em que eu chorar lendo uma poesia é o dia que eu me renderei e arrependerei de tanto desgostar e as lágrimas estarão ali pra comprovar. Mas a graça das palavras estão no encaixar. Sem sujeito, nem predicado. Pleta-incom. Perdeu o sentido, e a meus olhos a graciosidade e ferocidade.

Que me perdoem os poetas, o classicismo e até a contemporaneidade, mas as linhas completas numerosas e cheias e aqui vos dizem só estão sendo sinceras. Falar de amor e não ter amor. Falar de abandono e não ser abandonado. A sensibilidade do poema é o inimigo da verdade.

Mas aí me engano, e o poema sabe.

O poema sabe que o silêncio é seu pior inimigo.

E silencia.

E se cala.

E se acalma.

E te desespera.

E o fim

É não ter fim.

 

Dedicado a um filósofo grego cujo nome é aumentativo de plato.


por Dani Takase às 03:18
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Sexta-feira, 20 de Agosto de 2010

... de libertar a América com vermelho.

 

Imaginei todo tipo de metáfora, de comparação e hipérbole, frase feita, plagiada, mas nessas horas em que a emoção toma o peito, a garganta e o corpo inteiro, o jeito é falar a verdade e a não-poesia que vier a cabeça.

Que esporte mais sem propósito: até que ponto chega o ser humano ao correr atrás de uma esfera. Não, não é só um jogo, tem todo um propósito, uma meta em comum, um espírito de equipe.

Uma vez há não muito tempo, o que me levou às lágrimas não foi um sentimento lá muito digno: vingança. Ah, desprezo, raiva, rancor. Era uma criança boba, que nem sabia o que era impedimento. Mas as lágrimas caíram e a América foi pela primeira vez tomada de um espectro rubro. Mas isso eu não vivi. Apenas presenciei. Observei de longe.

Eis que o mundo é vermelho. O sentimento já era mais sincero e espontâneo: alegria de ver o mundo consagrar o Internacional de Porto Alegre campeão. E quem conhecia o Internacional?  Eu, e isso bastava. E eu já sentia e esbravejava: eu quero ser colorada.

E futebol passou então a ser palavra comum no meu cotidiano. Começando pelas regras básicas. Primeiro passo para que o futebol não se torne chato: aprenda o que é o impedimento. Então, o que era simpatia virou paixão.

Nascer, crescer, viver, morrer torcendo para algo nunca me soou poético. Sempre achei a atitude da escolha o lado mais bonito do torcer. E fiz minha escolha. E não escolhi errado.

Num deslize, uma baixa colocação e enfim campeão da Sul-americana, campeão de tudo. Um centenário obsessivo, sedento por títulos. Contentar-se com um Estadual não foi o suficiente. O vice-campeonato não serve de consolo.

Era preciso foco e vontade; raça e coragem. Cambaleando foi-se, classificações apertadas, jogos acirrados e dúvida, muitas dúvidas.Vencer a tormenta de verão em sua casa. Os Estudiantes. Sufoco e que sufoco! E sob uma nuvem de fumaça, fumaça imprudente de quem comemora antecipadamente, ah!, é agora a semifinal: clássico dos clássicos na minha condição de colorada estrangeira. São Paulo e Inter e era Roth. Um retorno sem derrotas, um retorno triunfal. Um time que inspira confiança e aspira alegria, transpira bom futebol. Um jogo monstruoso no Beira-Rio, jogo de gigantes que só teve um  gigante, que se mostrou longos noventa minutos muito superior. Mas se tratavam de cento e oitenta minutos. A primeira tarefa bem cumprida. A parte difícil era ganhar de Cícero e todos os seus discípulos. Derrotar um ídolo que trouxe tantas alegrias mas fazer com que o palco fosse o cenário da mesma alegria de anos antes. E foi. No começo um dois-zero de roer todas as unhas borradas de vermelho e destruir a camisa e todos os objetos a alcance. Jogo tenso, muito tenso, mas e agora? É agora? Gol! E que gol! E que gol! E foi a derrota mais vitoriosa da história.

A euforia e os bons ventos sopraram, a peste arrastou um time parvo até ali. A superioridade do inter é tamanha e incomparável. Mas "era só não deixar aquela entrar, tirar dali, tirar dali, gol, do Chivas". Que expressão que havia no meu rosto. Incredulidade? Estava pasma, mas confiante. Era injusto aquele resultado e havia quarenta e cinco minutos para reverter de imediato, e então, voltar para casa para definir. O resultado poderia ser melhor: gol, do predestinado. E gol de passes improváveis: passe de cabeça dum nativo para um libertador. Gol de dois campeões e, logo, no fundo eles sabiam - e Tales diz que sabia, e como sabiam - bicampeões.

Mas parece piada, seria tão fácil assim? Casa cheia e um Beira-Rio pulsando como um coração só, xalaialaiá, e gol. Gol? É, gol. O inter superior mas, como sempre leva o susto previamente. Mas voltaram com um propósito ainda mais aparente, e agora sem nervosismo. Estava claro, vamos para cima, vamos. Quase! Por tão pouco. Foi falta, foi indigno, desrespeitoso, desleal! O touro caiu, mas não desiste, é caído que faz o passe, chega para alguém, cruzamento belíssimo e é, sim, foi! Foi! Gol! E de novo, de novo, sozinho, o touro só se aproximou, a pressão psicológica foi tamanha que culminou no passe errôneo, passe errôneo que em cinquenta e um metros de coragem e com a precisão, mais um? É, e lá vem mais. É seu, predestinado, e foi e só então senti o Guaíba sair de meus olhos. Não é preciso dizer que um gol foi tomado. São detalhes que compõem e estragam a verdade: era campeão. E a América era vermelha novamente.

E não foi vingança que me fez gritar, foi maior que isso. A América dormiu vermelha, o dia amanheceu avermelhado, as unhas vermelhas, a blusa vermelha, o batom vermelho. Mas não foi esse o vermelho que me levou essa alegria. Foi o vermelho do sangue que pulsa entre as veias e faz bater um coração no meu peito. Um coração mais colorado que nunca, mais vermelho que nunca. Comi morangos e o sol se pôs num crepuscular rubro.

"Eu quero saber, você já viu a chuva caindo num dia de sol? Já viu a chuva caindo num dia glorioso?"

 


por Dani Takase às 03:45
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Segunda-feira, 16 de Agosto de 2010

.. de cartas de 16 de agosto.

... de branco

 

Chato, teimoso, metido, insuportável! - é assim e sempre assim. Eu hostil com sua desumildade, você retribuindo com ofensas sem me ofender. Ao contrário de suas birras, sua não-espontaneidade  é sincera e  às vezes até prevista, mas sempre doce e surpreendentemente tocante - me afeta, é.

Porque todas as brigas que eu arranjei foram pra te derrotar ao final e te fazer confessar que me ama. E se me ama, não sei, deve ser, pode ser, quem sabe um dia. Só Deus sabe como você me tira do sério. "Se é linda", o erro de português ignoremos, mas a forma com que me trata é  encantadora - a seu modo e ao meu.

Tell me that you want me, baby. Tell me that it's true. Tell me that you need me so much more than I need you.

Não é porque já não faço mais as unhas com o intuito de que quando você pegasse em minhas mãos reclamasse da cor extravagante e entrelaçasse-as nas suas só por atestado de posse. Elas continuam sendo feitas de forma extravagante - e me lembro de você sempre, ou quase sempre, na hora em que o pincel rajado de um vermelho sangue ou rosa choque ou laranja mecânica ou, ah, e até mesmo ao ajeitar o formato das unha com a lixa. A diferença agora é que você não as vê, mas gostaria?

Sabe o que vai acontecer? Você vai argumentar e discutiremos, você vai me ignorar e eu vou te provocar; você vai me mimar e falar que me ama; vai cobrar uma resposta, vou fazer um charme e confessar que te amo e você vai sorrir vitorioso sem saber que quem venceu fui eu. Porque você me irrita, mas me convence que não posso viver sem seus atormentos.

E quando discutiremos de novo afinal? Sei que meu time pode ser melhor que o seu, que seu time tem mais títulos,  que seu cabelo é sim loiro e que as loiras te atraem mais, discutir se estou apropriadamente vestida para determinada ocasião, se eu tenho QI o suficiente, se eu penso que tenho um QI maior do que realmente é. É esse tipo de bobeira que te deixa diferente de todos e diferentemente mais especial.

Me adequei a seu jeito, seus costumes, defeito, ciúmes e caras - pra que mudá-las?

Meu eterno affair.

 

... de dourado

 

Depois de tantas cartas trocadas, te escrever mais uma. Uma que não se rasgue e não se perca no tempo, uma que mostre meu carinho e protecionismo que mesmo depois de tanto tempo ainda exerço sobre você, mesmo distante, mesmo sem colocar conversa em dia, sem que eu saiba por quais caminhos você anda e com quem e como. Estive por perto de você por relativos poucos tempos em comparação ao laço que criei por você.

Momentos que você parecia criança: quando por birra você não quis comer direito e passou fome; vezes em que não quis estudar e tirou nota baixa; por capricho fazia biquinho para que seu desejo fosse atendido – e ninguém resistia. De criança era seu sorriso que ia crescendo de ponta a ponta e suas bochechas ficavam vermelhas ao receber um elogio. Como criança guardava uma pureza e um amor sempre sincero e reluzente. E uma espontaneidade engraçada.

Também presenciei seu lado adolescente: quando você chorava de cólica, chorava de tpm, chorava por brigar com o namorado, com a mãe, com a amiga... (em casos mais específicos chorava quando descobriu que tinha tendinite!). E chorando, é com o silêncio que te consolava. Mas seu lado adolescente não só chora: faz escândalo! E quando ficava estérica: gritava, pulava, esperniava. E eu conhecia e conheço direitinho o seu jeito ficar estérica. De alma jovem ainda há espaço para estudos – e do betuminoso não esquecerei jamais. Na escola aprontamos, tanto e tanto (contabilidade: quatro pessoas, dois ventiladores, e o resto é... é melhor não contar).

Também te vi adulta: ao tomar decisões importantes, sofrer com elas, mas principalmente – suportar todas elas.

Você merece saber que não canto uma nota certa mais. E pensar que achavam que eu cantava bem. Com você não canto mais, e sinto falta disso. Mas a lembrança de nossas vozes equalizadas é mais que suficiente. Você foi minha melhor amiga, meu carinho por você continua. Torço muito por você e desejo seu bem todo santo dia. E nesse dia te imagino como a princesa que você é e sempre foi.

Minha princesa.

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por Dani Takase às 01:26
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Domingo, 15 de Agosto de 2010

A Farsa da Revolução Tecnoeletrodomestilógica - O Movimento

Num quarto ouviam–se tiros; no outro, lágrimas; no outro, "I'll say you what I want, what I really want..." – hm, muito retrô. Correção: num quarto metralhadoras, no outro metralhadoras – jornalismo verdade, é como batizam, vai entender – no outro "Eu já cantei uô-uô e também yeah-yeah". A metralhadora – de videogame, as lágrimas ao som de metralhadoras – revelam a identificação de uma mulher desesperada com mais um programa desesperador qualquer, a música – só para não enfatizar um clima tão melancólico e mortificante.
Um silêncio esmagador. Uma escuridão tanto quanto esmagadora. Um soluço – só as lágrimas continuaram. Pensem na voz mais patética, aguda e irritadiça: "Ô mãe, acabou a luz?!". A resposta se limitou na atitude do próprio gurizinho sardento apertar freneticamente o interruptor. É, falta de luz. Quanto tempo? Só o tempo dirá. E então um mundo incomunicável, sombrio até, mas tranquilo. Quinze minutos: nada. Meia hora, duas horas... Nada. Melhor dormir.

*****

Nunca houvera sono tão profundo e bem aproveitado. Todos dormiram no mínimo dez horas. O menino dormiu tão aparentemente suave que parecia confortado em nuvem de algodão. A menina, tão raramente flagrada em tão serena forma, angelical até, arriscaria dizer. A mulher pareceu descansar por todas as noites que passara em claro sofrendo, chorando.
O saquinho de batatas sardento sorria e se espreguiçava. "Maaaa..mãe...", sussurrou de olhos semi-abertos. Quando os abriu foi surpreendido por... – não, não, só engano. A impressão foi de que a tevê estivesse o fitando. Bobeira. Saltitante foi até a porta, mas seus pézinhos gordinhos estavam sendo observados. Virando repentinamente para a tevê flagrou aqueles dois imensos olhos vermelhos, pixel por pixel, conhecia-os muito bem. Inimigo quase-imbatível de seu jogo favorito e centralizadas as palavras: "Game over". Significa isto que a energia voltou, certo? Pressionou o botão power do videogame e ia enfim se retirando do quarto quando, sabe-se lá como – visão periférica possivelmente –, a tomada estava vazia. Nenhum fio conectado. Inconformado, foi verificar de perto – pobre tolo. Um fio de paradeiro duvidoso deu-lhe um golpe e rapidamente ele estava caído inconsciente no chão.
– O último, chefe?
– O último. Daremos sequência a nossa reunião.

*****

 Uma fila desfilava e rebolavam – na frente algumas fitas, talvez todos os clássicos WaltDisney e alguns vídeos caseiros; a seguir uma imensidão de Cd's e Dvd's, alguns piratas, alguns com a etiqueta amarela de liquidação, outros tantos de trilhas de novelas; então aparelhos menores como velhos radinhos de pilha (aqueles AM/FM com lanterna na ponta), aparelhos de Mp3, Mp4 e Mp(incógnita); celulares, desde os tijolões até os touchscreen; desengonçadamente um computador andava com suas peças cambaleando mas foi ultrapassado pelo notebook; televisores, muitos televisores, até o de catorze polegadas preto e branco que andava abandonado no sótom; pof fim um batalhão de utilidades domésticas (fogão, geladeira, microondas, aspirador de pó), o microsystem e o home theater e enfim o pelotão de controles remotos (todos os tamanhos e botões de todas as cores – imagináveis e inimagináveis).
Estava armada e declarada a guerra.

 

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por Dani Takase às 02:30
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Domingo, 8 de Agosto de 2010

A Farsa da Revolta dos Eletrodomésticos - mudando de nome

O menino era gordinho, sardento e pirracento. Crescera ouvindo da mãe que ele fora um acidente. Ele sempre vira a si mesmo como um estorvo – no começo se martirizava, mas agora tomou gosto por ser um castigo. Para sumi com suas tristezas devora qualquer junky food que não só estimula sua hiperatividade como também aumenta gradativamente seu corpanzil. O único jeito de perder calorias é na caminhada que levava da tevê até o computador – não mais. Agora tem tudo no seu quarto. Será que os movimentos dos dedos descontrolados no joystick e teclado gastam calorias ou só causam síndrome por movimento repetitivo? Creio que não.
Já a progesterona andante se contenta com uma maçã por dia. Apesar que duas folhas de alface é um item bastante requisitado nesse cardápio – de anorexia nervosa. Parece perigoso, mas acalmem-se, é passageiro. Essa rotina alimentar precária é recente. Coisa de dois dias. Sábia decisão tomada após o término de seu relacionamento – o relacionamento de número 29 – relacionamentos que duravam semanas, dias, noites... – e tinham acabado de trocar alianças, vejam só! A décima primeira aliança. Ela tinha um cofrinho – de lata, pequeno corte em cima – no qual não havia moedas. O tilintar metálico lá dentro dá-se aos dez – agora, onze – anéis de compromisso. Quanto compromisso. Exige responsabilidade e maturidade, não chore, criança... Esteja certa de que em breve aparecerá o décimo segundo tilintar, o décimo terceiro, o trigésimo romance; tudo questão de números.
Fisicamente era bem diferente de seu irmão, de sua mãe, de seu pai. Corria o boato de que não era filha do pai. "Mas qual! Ela é adotada!". Boatos. Aliás, talvez seja importante ressaltar que ela fora o motivo do casamento precoce de seus pais. A grávida adolescente e o garanhão incontrolável, um relacionamento repleto de desamores e culpas e acusações e (des)obrigações. Divórcio depois do acidente... Enfim! Voltando ao assunto: ela. Desesperados apelos por atenção refletiam-se na cor, no corte ou na falta de cabelo. Engraçada a vez que aparecera de careca reluzente, puro capricho. Mas o cabelo chanel azul não lhe caia tão mal. No momento é (está? to be nessas horas resolveria meus problemas) de um desbotado com camadas coloridas. Um horror, se quer saber. Seu sedentarismo não é dos piores. Usa o computador basicamente para gerenciar seus perfis em algumas (muitas) redes sociais – todos aqueles estrangeirismos que puderem imaginar. É lá que encontrou a carta/ideologia de suas amigas Ana e Mia, amigas essas que vocês não vão gostar de conhecer. Anorexia e bulimia. Sua mãe não percebera ainda. O irmão a apoiava com palavras amigas: "De que adianta isso? Pior você não pode ficar." – ao término da frase uma risada estridente e maligna. Na verdade eles não deveriam mesmo se preocupar, do jeito que é fraca logo desistiria e iria para um outro modismo qualquer – próximo passo: criar uma banda? Possível.

 

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por Dani Takase às 18:45
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Domingo, 1 de Agosto de 2010

A Farsa da Revolução Tecnológica

Uma família reunida tomava o tão simbólico café da manhã. O pai, de um canto da mesa:
– Querida, pode me passar a manteiga?
A esposa passava a manteiga. Haviam algumas xícaras de café fresco, algumas canecas de leite quente, chocopowder, pão francês, manteiga, dois filhos e um a caminho. O jornal repousava sereno no colo do pai, aguardando-o pacientemente até ingerir a última gota de café, ao som de um bolero que sai do rádio graciosamente posicionado embaixo da janela que revela um bonito sol. O filho se retira da mesa e logo já está rolando no tapete da sala imitando seu herói favorito, enquanto no tubo de elétrons o herói destrói seus inimigos – muito inspirador, bela lição de moral, "quem faz o mal...". Toda essa cena é muito inspiradora. Parece mais uma cena de mil novecentos e alguma coisa. Que tal um cenário mais contemporâneo?
A mãe enquanto programa o microondas para esquentar o leite, se debruça no balcão para não perder nenhuma fofoca matinal, a TV localizada na cozinha com este propósito. E que bom que o microondas, depois de programado, pára automaticamente. Afinal, pobre fogão, quanto sofreu com os esquecimentos da mulher – esquecimentos não, fome de saber da vida alheia, diga-se de passagem – o leite subia, aquela espuma fervorosa e nada mais que o fogão poderia fazer, just cry over the spilled milk.
O marido? Ex-marido, – que fique claro que a autora não acha que os tempos modernos as mulheres não tenham maridos; essa não têm; muitas não tem, mas não vem ao caso. – aparece de quando em quando para ver os filhos. Filhos – a adolescente mal-amada e mimada (quanta contradição) e o pirralho birrento e hiperativo – e mais uma vez nada de generalizações, esses cenários acontecem.
Enquanto o microondas informa que o leite está quente, a bomba de hormônios acorda frustrada – com a vida? com o barulho? com a mãe? consigo? – e caminha quase zumbi para a cozinha, pega o leite e se tranca novamente em sua caverna onde hibernará até que um ruído a desperte de seu sono de beleza. O menino já acordado – aliás nem sequer dormiu. O videogame é testemunha de todas as 7 horas que ficou ligado. Apenas 7 horas porque quando o relógio marcava 3:00am o computador estava sendo desligado, e antes dele, às 00h quem permanecia ligada era a tevê.
O jornal sim, este vivia inconsolável, pobrezito. Ele era gratuito, atirado no jardim, requer apenas olhos atenciosos que o fitem. Mas nem as headlines. Mui raramente a adolescente com muita brutalidade e insensibilidade resolvia olhar seu horóscopo, de Áries – difícil.
Quando a casa tinha um cachorro, ele ainda se importava com os jornais. Pelo menos eles tinham alguma função – não que um vira-lata defecando sobre você seja muito agradável, mas já era consolo. O cachorro é apenas mais uma vítima de tanta alienação distração, ah, como sofreu. Morreu de solidão, acreditem. Talvez o jornal fosse sua única companhia, era uma solidão mútua. Se o bichento tivesse morrido há cinco anos atrás os pirralhinhos talvez tivessem se importado. Talvez tanto ao extremo de querer morrer juntamente com ele. Bob, bobão. Nem enterro digno teve. Nem vale a pena contar o fim que teve. "Morreu de solidão" é um bom diagnóstico para um atestado de óbito.
Enfim, uma cena muito inspiradora.

 

_________________

 

 

Não sei se tenho veia para ironias ou humores, mas é uma tentativa vaga. Capítulos dessa farsa serão apresentados aos domingos, com nomes que não farão sentido, neste mesmo fundo fúnebre, nestas mesmas palavras secas. Uma tentativa sarcástica e sagaz.

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por Dani Takase às 23:59
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