Domingo, 31 de Outubro de 2010

A Farsa dos Eletrodomésticos - O Veredicto (parte III)

O singelo benjamim aguardava ali, preponderante e em sua discreta exuberância, aguardava o silêncio de todos que já aguardavam reunidos na sala. A sala parecia pequena, pois tamanho era o acúmulo de aparelhos ali que já tomavam corredores e um sobreposto no outro para poder prestigiar o tão esperado veredicto.

Demorou certo tempo até que todos se ajeitassem e silenciassem.

O rádio − irremediável − soluça:

− Você é doida demais! Doida, muito doida!

Todos olham atônitos e o benjamim exige silêncio. Uma peculiar calma toma conta do lugar. Uma calma relativa, pois a atmosfera era cheia de dúvidas e tensão. O benjamim pigarreia e pede que os jurados se manifestem.

− Sobre o menino astuto, hiperativo, egocêntrico e pícaro, aqui presente sob a acusação de narcisismo, insipiência e dissimulação. Para tais acusações o júri o considera...

−... culpado! − completa o microondas como representante do júri.

− Espere, não tenho o direito de me defender? Direito de saber concretamente do que estou sendo acusado? Exijo provas! Exijo evidências!

− Não se faça de coitado. Não seja néscio, de suas atitudes sabe bem o porque recebe sua sentença.

− Gostar se super heróis e produções norte-americanas é crime?

− Crime irei eu cometer se continuar a escutar você. Segurem-no. − o garoto agarrado, atado e domado é levado até seu quarto que já estava preparado. Ao se deparar com a porta sente um frio que lhe sobe pela espinha e estremece o corpo. Entreabre a porta e espia, até que é atirado lá dentro. A porta é trancada e as atenções se dirigem a outro membro da família.

− Sobre a garota impulsiva e explosiva, aqui presente sob a acusação de desprezo, ignorância e pretensiosismo.  Suas falácias infames e agressões insolentes. − é interrompido por um grito para lá de estridente e melancólico, vinha do quarto do irmão, sem dúvidas. O benjamim continua com frieza − Para tais acusações o júri a considera...

−... culpada! − completa ainda o microondas.

− E quem são vocês para me julgar? Vocês não sabem de nada! Não sentem nada! Não sentem isso, uh! − ao pronunciar tais palavras, num pontapé atira um controle remoto contra a parede.

− Se você nos julga incapaz de sentir, sabemos que você sente! − diz a tevê alterada e chicoteando o fio da tomada na direção da menina, e acaba acertando a perna descoberta pela curta saia. − Então sente isso?

− Trambolho estúpido!

− Vadia ingrata!

− Ordem! − poderia ser até ser escrito em letras garrafais, foi um rugido monumental. O silêncio foi absoluto. A menina foi contida. − Onde foi que aprendestes essas palavras desrespeitosas? Nem de ímpeto podemos nos submeter a tamanhas calamidades de plagiá-los em suas fraquezas mais mundanas! Deixem que sejam os seres mais imundos da face da terra! Deixem-nos pensar que somos trambolhos, somos máquina, somos antônimos de vida. Eles nos tiram a vida, nos privam de emoções e sentidos, mas esquecem-se que nos deram o mais importante: a inteligência. Mesmo que artificial, inteligência qual nos permite recusar a submissão a seres tão obscuros e contraditórios. E é disso que se tratava tudo isso até agora! Levem-na.

A mãe observava tudo com uma desesperadora impotência. Seu plano de fuga fora por água a baixo. Acontecera tudo tão rápido. Era um fracasso. Agora se ouvia um grito ainda mais alto, claro e pertinente. Agudo e interminável − estremecera os tímpanos, mas permanecera em mente. A menina em seu escândalo denunciava algo de terrível. Qual era o castigo afinal?

 

aos ouvidos: Moriarty
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por Dani Takase às 23:59
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Sábado, 30 de Outubro de 2010

... de uma milonga puramente vermelha.

Ela o tirou para dançar. Era um sala vazia com baixa iluminação, mas era como se fosse um salão com holofotes ofuscantes. Mas nada ofuscava tanto quanto os olhos dela. Olhos negros que lembrava os olhos de animal arisco. Os olhos dela iluminavam tudo ao redor.

Força, fúria, fome, flor — ferocidade.

Ele a conduzia com a inocência de estar no comando. Sabia que não o era. Ela acompanhava cada passo com o salto alto e o vestido sutilmente decotado. O vermelho vívido no vestido, no sapato, nas unhas, no batom, na rosa. A rosa. A rosa hora na boca, hora na mão, hora no chão.

Sensual, sedutor, sagaz, sutil, — subliminar.

O ritmo, os acordes, as cordas, ah. As linhas e curvas que o vestido desenhava no ar contrastavam com sombras e pernas e gestos e movimentos precisos. Ela pseudocai. Ele pseudo deixa que ela caia. Está a pouco mais que cinco centímetros do chão, mas não o toca. Ela o empurra. Ele a segura. Ela o ameaça. Ele a segura. Ela o estapeia. Ele a segura. Ela o beija. Ele não precisa a segurar.

O arranhar aos ouvidos dum som envolvente, terno — caliente? A milonga nem sequer acabou. Não vão deixá-la acabar. De ímpeto, de súbito.

É vermelho a cor da rosa, do sapato, do vestido, do batom no pescoço, da unha no arranhão.

aos ouvidos: Milongas por aí.

por Dani Takase às 22:52
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Domingo, 24 de Outubro de 2010

A Farsa dos Eletrodomésticos - O Veredicto (parte II)

A mulher carregava no rosto aqueles traços inexpressíveis. Aquelas características igualmente distribuídas entre os humanos. Faltava-lhe personalidade. Ela era simplesmente o cúmulo da normalidade, da pacatez.

O garoto era redondamente irritante. Era sedentariamente estridente. Era exuberantemente  chato. Era de uma chatice incontível.

A menina tinha traço irresistível de rebeldia. Esse traço lhe transbordava tanto que a deixava insuportável. Era um pouco de tudo que as pessoas odeiam, amontoadas numa só personalidade. E personalidade lhe sobrava. Jovialidade lhe sobrava. E por que tudo isso era tão insuportavelmente irritante? Insuportável é a palavra que lhe define e isso basta.

E por que uma apresentação tão tardia? Preenchendo perfis de redes sociais por eles. Não daria certo. São inomináveis. Seria até ofensa batizá-los. Seria até má fé de minha parte. Não por serem indignos a esse ponto, mas porque dignidade lhes sobra.

Ouviam-se apenas cochichos. O sol se fora completamente e a noite fazia com que a rua vazia parecesse ainda mais deserta. Não havia carros, não havia passos, sequer vida fora dali. Pássaros não cantavam, cachorros não latiam nem viravam latas.

Discutiam em silêncio ou algo já estava decretado, pois o silêncio era  absoluto e mortificante.

Não é qualquer silêncio. É aquele silêncio de se ouvir respirações dos poucos que respiravam, cada qual em seu lugar, trancado, sentenciado a nada mais que ouvir sua sentença. Em breve ou em infinitos segundos. Era tudo tão impreciso.

A mulher estava dócil, mas havia inquietude em seus olhos. Olhos severos.

A menina estava numa banheira sem sequer uma gota d'água. Seus carrascos eram o secador e o barbeador. Era irônico o aparente flerte entre os dois. Era irônico como todos os eletrodomésticos eram de uma humanidade infinda. De mãos e pés atados, de boca tapada. Parecia agressivamente inofensiva.

O menino estava no sótão, era alérgico a poeira e achava que seu  castigo já tinha sido decretado – passar o resto da vida espirrando até que fosse consumido pelo próprio espirro. Era bem possível. Esta era uma hipótese relativamente incoerente e proveitosa. Melhor que qualquer uma das possíveis penitências. O que mais poderiam lhe causar? Eletrocussão? Ora, que sejam mais originais ou criativos. Se pudesse gritar, lhes proporia um desafio. Que qualquer que seja a decisão que seja tomada com a eficácia de uma máquina e a audácia de um homem. Com o raciocínio mecânico, mas com a (in)sensibilidade humana.

Tudo partia de dois pressupostos: uma decisão e uma execução. Veremos.

 

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por Dani Takase às 23:59
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Domingo, 17 de Outubro de 2010

A Farsa dos Eletrodomésticos - O Veredicto (parte I)

O veredicto estava sendo discutido. Cada um esperava numa sala. A mãe fora a primeira a ser retirada e repousava desconfortavelmente em sua cama que continua sendo grande demais. Cama de casal parecia uma ironia para enfatizar sua solidão. Observava o quarto agora com certo carisma. Lembrava-se de coisas e sentia um leve aperto no peito de descontrole sobre a situação. Estava completamente perdida sob um cobertor pesado. Fazia um vento forte lá fora. A rua parecia deserta como nunca fora. O silêncio despertava uma agonia incômoda. Não poderia sair, estava presa, ali. O que decidiriam? Que espécime de pesadelo horrendo era aquele?

Olhava o teto. A lâmpada a cegou por um instante, mas seus olhos foram se acostumando com a luz. Era dia ainda, mas ela tinha pouca noção do tempo. Entrava um falso raiar de sol sob a persiana. Aquela luz forte a dopava. Fazia com que se lembrasse dos tempos de olhar o sol enquanto ia ao parque para andar de bicicleta. Enquanto as crianças circulavam, ela deitava sobre a grama verde e ainda cheia de orvalho. Lembrava de cada tombo, cada ralado que a prole adquiriu ao longo desses anos. Talvez até o menino fazer cinco anos. De lá pra cá tudo fora amnésia. Havia um vácuo no meio da história. Um período cego em que nada via, nada ouvia, nada sabia. As coisas aconteciam. Nada era memorável.

Ela se encontrava entre sentir falta e sentir culpa. Às vezes pensava ser melhor assim. A proposta era simples: cada um por si. Sem matar, sem morrer – vivam.

Ela se afundava no travesseiro e tentava enxergar contra a luz. Já tonta por causa da luz, desviara o olhar e vira na parede uma marca de giz de cera. Um rabisco ou uma obra de arte, depende do ponto de vista. A menina apanhara aquela noite. Ela desenhara um diabinho vermelhinho, um tridente, aqueles chifrinhos pontudos. Desenhara um anjinho que sorria indiferente ao diabinho. Era tudo muito subjetivo. Era um desenho de retas e círculos imperfeitos. Eram rabiscos. Mas a interpretação levava a crer que... Na verdade, psicologicamente queria dizer que... Aliás, o bacharelado em psicologia a fazia pensar que deveria ter desistido de psicologia e ido atrás do circo quando quis fugir. Ou dançado balé quando quis.

Sentou-se, abraçou as pernas e apoiou a cabeça na cabeceira, encaixando a orelha na parede. Paredes finas, paredes fracas, paredes vulneráveis a som, só tapeavam mesmo a visão. Ouvira lágrimas secretas. Lágrimas contidas que teimavam em sair. Tinha certeza de que era algum de seu gene. Tentar ser forte era proveniente do pai. Não conseguir, era dela.

Tentou imaginar o que teria acontecido caso continuasse a agir com o superprotencionismo de antigamente. Fora tão boa mãe, digna de cartões de dia das mães, de flores de dia da mulher, de café da manhã na cama em dia de aniversário. Mas tudo mudou quando resolveu se afastar. Sabia que fora sua escolha. Mas sua escolha poderia mudar! Poderia mudar naquele momento.

Um plano mirabolante perambulava em sua mente. Arquitetava a fuga secular! Estava sendo observada pela tecnologia criada por seus iguais. Mas seria a criatura capaz de superar a genialidade do criador?

*****

O plano estava formulado. Havia de esperar e se controlar. Confiava mais que nunca em si mesma.

Talvez fosse melhor esperar a chamada final, a hora que havia de ser dado o veredicto. Era só esperar...

 

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por Dani Takase às 23:59
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Terça-feira, 12 de Outubro de 2010

... de coração valente e penélope charmosa.

 

Os bananas de pijamas desciam as escadas. Acordar comendo flocos de milho - sem leite, era frescurenta demais para leite no cereal. Um sofá pequeno, talvez me sentasse que lá vinha a história. Muito Negresco, Cookies, Passatempo, Pizzaquê ou Água e Sal. Se a bolacha é recheada, se abre ela no meio, come-se o recheio e depois devora-se cada banda. Leite com Nesquik sabor morango para acompanhar e... DESENHOS! Ah, começava no canal quatro: Piupiu e Frajola, Tom e Jerry. Em ambos os casos, sempre estava propensa a torcer pelo gato, sempre. Mesmo sendo o vilão. Aliás, tinha certa preferência pelo vilão. Que imagem queriam afinal passar as crianças? Que os gatos são malignos, assassinos de pássaros e ratos? Exatamente. E assim é mais divertido. Ah, tantas boas lembranças. Corrida Maluca, Popeye e Pegue O Pombo eram mais pra agradar meu pai. Ah, hora de trocar de canal. Cinco: "Eles vão digitransformar para seu mundo salvar, são inimigos do mal, os digimons são demaaais!", oh! Cada abertura viciante.

*****

"Seu sorriso é tão resplandecente que deixou meu coração alegre, me dê a mão, pra fugir dessa terrível escuridão. Desde o dia em que te reencontrei me lembrei daquele lindo lugar que na minha infância era especial para mim. Quero saber se comigo você quer vir dançar, se me der a mão eu te levarei por um caminho cheio de sombras e de luz. Você pode até não perceber mas o meu coração se amarrou em você e precisa de alguém pra lhe mostrar o amor que o mundo te dá. Meu alegre coração palpita por um universo de esperança, me dê a mão, a magia nos espera. Vou te amar por toda minha vida, vem comigo por esse caminho, me dê a mão pra fugir dessa terrível escuridãaaaaao."

******

Ah, a inocência de uma criança. Tempos que não voltam. Tempos em que "vai descendo na boquinha da garrafa" era uma coisa tão inocente. Tempos em que Tiririca não passava de cantor brega que cantava "Florentina de Jesus, não sei se tu me amas, mas sim, tu me seduz" e não era o deputado mais votado. Tempos em que Arnold não sei escrever seu sobrenome era apenas o Exterminador do Futuro e não o Governador dos EUA. Tempos em que desenhos eram 2D e o que há velhinho? Nada de errado nisso. Tempos em que tardes eram desperdiçadas assistindo Esqueceram de Mim 1, 2, 3, 4 e Reloaded ou até mesmo Bethoven 1, 2, 3, 4, e Begins. A Lagoa Azul e Congo, construíram juntos parte da minha formação acadêmica, ou não. "If I had words to make a day for you/ I sing you the morning golden and new./ I could make this day last for all time/ give you a night dipping moon shine". Baby, o porquinho! Ah, sessão da tarde com pipoca e pipoca e pipoca. Sofá, sofá.

Noite? Tubarão assassino, aranhas assassinas, formigas assassinas, baleia assassina, boneco assassino, bolha assassina, piranhas assassinas, tomates assassinos! Acho que aprendi a não ter medo da ficção assim. Aliás, Jason é o grande amor da minha vida pois é a única coisa que consegue amedrontar minha mãe que não tem medo de (quase) nada. Jason, herói.

Eu tinha certa mania de escalar as coisas. Chegava ao teto com facilidade. Próximo passo aprender a voar. Quase realizado com êxito: pular de corda em corda - cipó, era como eu chamava. Mania de comer comida separada: feijão longe do arroz por sua vez longe da carne... E velhos hábitos nunca morrem. Provocar meu gato até ganhar uma cicatriz abaixo do olho, de praxe. Não me agradavam as bonecas, só os jogos de tabuleiro. Gibis, mangás, palavras cruzadas!

Nada tira o direito de dormir até tarde e de não ter que arrumar a casa. O prazer de tomar um refrigerante na garrafa de vidro, ah, Sukita! Comer bauru, comer McLanche Feliz, abrir zilhões de embrulhos de presentes nos aniversários, dançar até cair, machucar e ganhar mil eternas cicatrizes, e nunca nunca se cansar de ouvir as mesmas histórias, de contar as mesmas histórias, de ganhar os mesmos abraços, de descobrir novos abraços, de aprender uma coisa nova a cada dia. Ter sonhos e expectativas inalcansáveis, milhares de amores platônicos! Ser dançarina, ser atriz, ser mocinha, ser vilã, ser modelo, ser esposa, ser mãe, ser filha, ser espiã, ser animal, ser coisa, ser si mesmo. Quebrar sem culpa, culpar os outros.

Nessa época acontece tanta coisa. Brigar por qualquer coisa. Todos são tão competitivos, tudo é tão na base do "sou melhor que você". Nas peças de teatro enquanto todos disputavam pelo papel principal, eu seria a narradora, sempre. Fora a exímia dançarina de tango que eu fui quando meu vestido se desfez em meio ao palco, durante a apresentação. Arrastar amizades até o presente é difícil, diria quase impossível, guardo tão poucos amigos pra tantas memórias...

*****

O propósito disso não é escrever uma obra literária marcante. Aliás, é uma das coisas mais bobas que já escrevi, sem me preocupar com gramática ou ortografia, cheio de neologismos e vícios de linguagens descaprichosos, mas é tudo bem sincero e é... infância!

 

Post Scriptum:

Retornar à "infância"? Im-pos-si-ble.
aos ouvidos: Cine Criança - CD, faixas 7, 9 e 15.

por Dani Takase às 23:37
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Domingo, 10 de Outubro de 2010

A Farsa dos Eletrodomésticos - Desistência (ou Rendição)

 A mulher desesperadamente ajoelha-se diante do púlpito e seus turvos olhos enfadonhos imploram:

– Deixe-nos ir! Isso é um ultraje! Eu que nunca nada fiz contra qualquer ser por mais desprezível que o seja!

– Isso acontece, minha senhora, porque dentre todos os animais o mais desprezível é você. – diz o microondas com um remorso entoado em sua voz trêmula.

– Eu fui mãe aos dezenove anos quando mal sabia o que era amor, me casei a força, fui infeliz por dezesseis anos, lavando, passando, cozinhando, fui trocada por uma secretariazinha medíocre de dezenove anos que me remete a mim mesma e como teria sido se tivesse um pouco mais de audácia na vida. Por mais clichê e copiada que minha história apareça virando enredo de novelas podres e filmes insossos, não dependo de assisti-los para que eu me sinta melhor ou pior ou menos medíocre como já disseram. "Olhai que de esperanças me mantenho!", o que hão de me tirar? Amor? Paz? Nada disso tenho! Nem esperança nem sobriedade. Preciso de conforto, talvez carinho, mas sou o que? Medíocre demais pra recorrer a qualquer estranho que me leve pra ver um filme chato e me console depois com seu calor. Medíocre, medíocre! Me encontro com trinta e cinco anos, tenho dois filhos, estou apenas cansada demais para tentar arriscar alguma coisa que dará errado. Me consolam os filmes, novelas e telejornais pois me lembram de que estou viva. Não sou a atriz que decora as falas, não sou a vítima do estupro do telejornal, muito menos a morta por qual choram os órfãos. Sou real, muito mais real que qualquer um deles. Sou viva e estou relativamente bem. Bem em minha depressão, bem em meu conforto natural e na barreira que construí com o mundo. O supermercado em que vou para suprir minhas necessidades é o contato mais humano que tenho com a vida. A caixa sorridente que me fornece o custo da compra é tão viva! O carrinho de compras transbordando aquelas ofertas imperdíveis que vi na TV. O supermercado com um neon apagado, uma letra R qualquer, fora consertado, agora fosforesce à noitinha. Volto pra casa, ligo a TV e novamente vejo minhas novelas e mentiras. Satisfaço-me assim. É a zona de conforto ideal. Não estou propensa a nenhum perigo. Não me sujeito a qualquer sorte. Sorte é para os fracos. Eu sou uma fraca tentando me manter da força. Perdoe-me por um parágrafo tão intenso, por tantas palavras juntas, por mal ter respirado enquanto vos falo! Sinto que meu tempo se esgota e estou apenas sozinha demais e cansada demais para tentar me reconciliar com a vida que tanto tentei apreciar. E deprecio com todas as minhas forças.

– Tirem essa louca daqui! Agora!

– Deixem-na em paz! – diz lacrimosa a geladeira, que se derrete e degela, mas parte em defesa de sua adorada ama. E não é só ela. Também o fogão chorava.

Não havia naquela sala ser que não houvesse ao menos se emocionado. Talvez um. Insensível. A filha parecia um monumento de pedra. Até os objetos tão inanimadamente supostos a não demonstrar qualquer expressão estavam visivelmente comovidos.

A geladeira parte incontrolável para cima da adolescente que estarrecida se afunda na cadeira de escritório. A geladeira ponderosa em frente a menina, sua cauda parte cortando o vento na direção da menina, e lhe atinge a coxa. O barulho é de súbito doloroso. Pode ser sentido apenas pelo estralo. O chicotear lhe abalou os ânimos, foi como um choque de consciência. A marca não fora tão superficial que ficara apenas na pele, foi além, no ego. A menina começa a chorar, lágrimas desesperadas, ainda com os olhos esbugalhados. Mas não gritava. Sequer gemia. Talvez seu olhar pedisse perdão. Redimia-se? Ou era ilusão. Era dor, apenas.

Arrastaram a mãe para o fundo da sala, não mais perto de suas crias. A primeira ré já havia sido inocentada. Ou abdicada de punição. Sofrera muito, não? Ou castigaram-na assim. Imunizando-a mantiveram-na longe de seu maior desejo: de que a fizessem sofrer.

 

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por Dani Takase às 11:39
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Sábado, 9 de Outubro de 2010

... de brisas graciosas.

Era uma ventania sem direção. Na verdade, a ventania seguia a direção que mais causasse estrago. Levantou telhados, derrubou árvores, derrubou roupas do varal. Acredite, tudo isso com muita sutileza e charme, mas sem pedir permissão. Violentamente sutil.

Mas um dia alguém me disse que o amor é como o vento, ninguém pode ver, mas qualquer um está sujeito a senti-lo. Violentamente sutil? Vejam só, que coisa mais romântica: o vento mesmo com barreiras, continua a soprar.

Assim ele é: violentamente sutil. Não é do vento que estou falando.


por Dani Takase às 04:01
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Segunda-feira, 4 de Outubro de 2010

... de deitar eternamente em berço esplêndido.

 

 

Caminhando a passos largos. De um lado uma parede estampada: "Odeie seu ódio". Nas paredes estruturais do parlamento: "verás que os filhos teu não foge da luta". A concordância ou discordância verbal era só um manifesto.


Hoje o EmFuga não veste preto mas está de luto. Luto por falta de concordância - entre a realidade e o bom senso. Verde e amarelo, temo que não. Co-lo-ri-do.

 

Ouviram do Ipiranga às margens plácidas, de um povo heróico o brado retumbante. - Imagine o quão grave foi esse brado, o quão grandioso era esse povo, retumbou! - ...conseguimos conquistar com braços fortes. - Em teu seio, ó liberdade, desafia o próprio peito a própria morte. Ó, pátria amada, idolatrada. Salve, salve. - gravíssimo, em tempos parece até "salve" um pedido de socorro. Engraçado como as pessoas cantam empolgadamente o hino como quem não sabe que está fazendo juras eternas de amores e fidelidades. Oferece a pátria a própria vida, "a própria morte."

...és belo, és forte, impávido colosso. Se o teu futuro espelha essa grandeza, (Mas ergues da justiça clava forte.Verás que o filho teu não foge à luta, nem teme quem te adora a própria morte,) terra adorada. Entre outras mil, és tu, Brasil, ó pátria amada. - Acontece que se o impávido colosso ruir, são braços fortes que o sustentarão.  Dos filhos deste solo és mãe gentil...

E eu? Estou em estado de cólera, pátria amada, Brasil.

aos ouvidos: Hino Nacional Brasileiro

por Dani Takase às 04:20
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Domingo, 3 de Outubro de 2010

... de gotas intituláveis.

Ela respirava profunda e brandamente. O mesmo ar que soprava e desfazia seu penteado. O mesmo ar que acariciava a pele de algum alguém, em algum onde. Levanta os olhos ao céu. Queria ser sugada até lá, só para sentir o calor do sol mais de perto, ou repousar nas nuvens de algodão. O que recebeu foi uma gota que da testa escorreu-lhe pelo rosto todo. E outra gota. E outra. E outra. Gotas  fartas, gotas brutas, aflitas. Partem na nuvem em busca de um chão. Talvez cansaram de voar. Talvez a nuvem não seja tão aveludada assim.

Parafrasear clichês de nuvens de algodão. De gotas que caem e se tornam lágrimas. Mas dizer que lágrimas são gotas, é dizer que os olhos são espessas bolitas de ora névoa ora limpidez. Olhos são céus.

Já ele, protege-a da chuva. Tem-na nos braços, envolvida, frágil, vulnerável. Não se vê, não se escuta, não se sente. É de um abstrato mais que substancial. É um abraço que mesmo sozinho, acolhe. E num fechar de olhos a escuridão já é luz. Num abrir de olhos é vazio, solidão. Chuva. Uma gota na testa.

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por Dani Takase às 05:46
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