E queria dois olhos negros.
Queria e queria muito.
Dois pontos
que não pairassem dúvidas.
que oscilassem com a luz.
que dissessem sem dizer.
e disse.
Acalme-se.
Tudo não passou de um somenos.
E curada a cegueira,
qualquer encantamento.
Olhos negros teriam o infinito
imersos no vazio.
"Mas tudo continuou como dantes. Alguma coisa parecia ter mudado.
Mas no fundo, bem no fundo, a vida continuava igual. Mas não tinha importância."
O crepúsculo parecia belo. O gradiente de cores era limitado. Não era o sol que cegava os olhos, mas o sol não era visto. Pôs-se já faz tempo, atrás dos edifícios altos e preponderantes. Alcançavam o céu antes do próprio astro e permaneciam imperturbáveis depois de sua ida.
O que mais aprisiona são as limitações da visão. O que os olhos vêem e o que podem compreender.
Tudo era imperturbável. Ainda assim, tudo em constante transformação e eram imperturbáveis.
O sol, vestígio de sol, que trespassava construções, atingia os transeuntes que deixavam marcas nas calçadas. Sombras, fantasmas que passavam com pressa. O sol também ia imperturbável. As sombras continuariam em sua fuga da luz. Seriam sombras ausência de luz?
Outros corpos interferem a incidência de luz em outra superfície. Sim, ausência de luz. Segredo, mistério e, não digno, sombras − entristecem o espírito. Nada de sombrio, só não tão iluminado.
E mesmo opaco, frio. Não é porque há luz que fatalmente há calor.
Ele era o adorno simbólico que preenche a lacuna deixada pelo frio. Um amor de cachecol. De algum modo, esquecia-se o frio. Amezinava-o. Um enlace, eis conforto. Obsoleto e absoluto. Apenas — só — não deixava o frio passar. Só, deixou o frio passar. Foi-se, amor de cachecol.
E, sim, no crepúsculo, o dia enfim beijou a noite. Uma mistura de cada insigne quimera de inverno — mesmo as rubras nuances ou as nublosas. Cada memória de inverno.
Sem sombras, sem sol que sopre qualquer segredo. Lua não mingua, cresce — parece sorrir.