São Paulo era todo o cimento. Todo o concreto. As almas, o abstrato. O bandido que corria da polícia, os garotos jogando bola na rua, as meninas sentadas na calçada, os viadutos e seus defuntos, cachorros e seus donos, donos aprisionados às coleiras, sinos de igrejas, telhados de diversas engenharias e arquiteturas, outdoors de diversas publicidades, vizinhas de diversas idades, vestidos de diversas tonalidades, vidas de diversos públicos, buzinas ecoando, faixa de pedestres, transeuntes e pedintes, alguém cumprindo promessas, outros rezando de joelhos, incêndios, o álcool que não pega fogo, o fumo, o ébrio, o sóbrio, rádio ligado e diversidade musical, guarda-chuvas abertos e fechados, fraldas sujas e lixo urbano, o radioativo mais acolá, as doenças incuráveis da modernidade, a falta de espaço, a densidade demográfica, o esgoto desembocava em algum lugar, as chaminés incansáveis – e era domingo.
Domingo e São Paulo não pára. Não passa. Atravessa, enguiça, trapaça. Poluição de todos os sentidos. Visão, audição, tato, olfato, paladar. Poluição em todas as direções. Cima, baixo, do outro lado da rua, debaixo da escada, no porão, no sótão, no terreno baldio. Poluição na alma, na couraça, no coração, no senso, no dissenso, no consenso. No censo. No sense.
Era a São Paulo de caras, de coroas. De carros, bicicletas, astronaves, nautas, astronautas, internautas. De casas, edifícios, arranha-céus, galpões, garagens, fábricas, indústrias, paredes, lixões, mansões, favelas, becos, vielas, viadutos e pontes. De hotéis, motéis. De paixões, calores, traições e desamores. De boutique, de vaidade. De política, de maldade.
São Paulo de todos os sotaques. São Paulo cada vez mais mundo, cada vez menos mudo. Toda vez, São Paulo.
Independente de angulação. Vista de cima, era São Paulo. Doía, vê-la debaixo, doía. Vê-la de dentro, sucumbia.
E tem coisa que nem sequer se via.
Era a São Paulo que chovia.
Bocejo. São Paulo de desejo.
Imaginava-me pulando de qualquer altura. Não suicida, não louca, não sonhadora. Não pássaro, não aventura. Não mulher-gato, esbelta e esguia. Só sombra fugidia, que muda conforme a luz. Via por qualquer fresta, enfresta por qualquer via.
E a maldita São Paulo ainda era seu beijo.
(E a bendita São Paulo lembrando seu beijo).
Qualquer mau hábito, qualquer vontade vazia, qualquer vício, qualquer lampejo mal-afortunado.
Fosse disforme, conforme. Miscelânea de cores-odores-sabores-clamores-amores.
Não queria raso, nem fundo. Profundo − do tamanho do mundo.
O primeiro erro é ser chinesa.
Por que não ruiva? ou japonesa?
O segundo, o violino.
Por que não piano?
O terceiro, o azul.
Por que não carmim?
O outro, é o uísque.
Por que não vinho?
O último e mais importante, ser orfã.
Por que não promíscua? Por que não vadia?
ao Ordinário que entenda.