E ela foi dormir assim,
sorrindo.
E o dia amanheceu assim,
chovendo,
chorando.
Post Scriptum
E se dormisse, assim
chovendo,
chorando.
Pra amanhecer assim,
assim:
sorrindo.
Ainda1 bem2 que3 já4 é5 passado6.
Adieu, 2011.
Benvindo 2012, em ritmo de nova ortografia.
Há lá por fora
um luar
que é um divino pecado...
se viesses, meu amado,
se surgisses agora
ao meu olhar,
se me apertasses, trêmula de susto,
ao teu formoso busto...
Paira lá fora o luar
a tentar a paisagem,
as almas a tentar;
se viesses, meu selvagem,
com teu querer imperativo e rudo,
com teus modos brutais,
a esta lua macia,
eu tudo
te daria
e mais
e muito mais!...
Que seria de mim,
deste meu pobre amor, ai que seria,
se houvesse, noite a noite, um luar assim?
Repara o encantamento
da dor a que te exponho e a que me imponho,
neste mútuo querer de intérmino adiamento.
Gozemos ambos o prazer tristonho,
a ventura dolorida
de prolongar o sonho, que há no sonho
A realidade mais feliz da vida.
A lua desce numa poeira fina,
que os seres todos alucina,
que não sei bem se é cocaína
ou luar...
Fosse eu agora para a rua,
assim, tonta de lua...
Não é noite, nem dia.
Observo, com surpresa,
em toda a natureza
uma triste alegria.
Repara bem que paradoxo no ar,
que dolorosa orgia
em que a alma peca com vontade de chorar!
O meu amor por ti é uma noite de lua,
em que há quanto prazer, em que há tortura quanta,
Em que a alegria chora e a tristeza canta,
Em que, sem te possuir, sou toda tua...
O meu amor por ti é uma noite de lua,
misto de ódio e paixão com que repilo e quero
todo o teu ser de modo mais sincero,
fugindo-te e sonhando, a cada instante,
Palpitante
de gozo
meu corpo amado e amante.
Fosse eu agora para a rua...
Vagabundeia o luar tentando as cousas todas
para prolongamentos, para bodas...
Se chegasses, num lírico transporte,
Se chegasses, meu servo e meu senhor,
A vida que valerá e que valerá a morte,
Diante do nosso amor?
Ao teu abraço cálido e nervoso,
O etéreo tóxico entorpecente,
pela janela,
chega-me à boca, meus lábios gela...
Que frio ardente!
Embrulho-me num manto, olho o espelho: estou nua.
A alma fora de mim, zombando dos refolhos
em que me abrigo.
A alma a fugir-me pelos olhos,
ébria de pó de lua.
Sangrando luz, pendida a trança flava,
uma estrela do além se despenhava...
— Sorriste olhando-a, entristeci-me em vê-la...
Com a alma em fogo, pela noite fria,
em vertigens de amor eu me sentia
rolar no abismo como aquela estrela...
Gilka Machado, em "Meu Glorioso Pecado", 1928.