O veredicto estava sendo discutido. Cada um esperava numa sala. A mãe fora a primeira a ser retirada e repousava desconfortavelmente em sua cama que continua sendo grande demais. Cama de casal parecia uma ironia para enfatizar sua solidão. Observava o quarto agora com certo carisma. Lembrava-se de coisas e sentia um leve aperto no peito de descontrole sobre a situação. Estava completamente perdida sob um cobertor pesado. Fazia um vento forte lá fora. A rua parecia deserta como nunca fora. O silêncio despertava uma agonia incômoda. Não poderia sair, estava presa, ali. O que decidiriam? Que espécime de pesadelo horrendo era aquele?
Olhava o teto. A lâmpada a cegou por um instante, mas seus olhos foram se acostumando com a luz. Era dia ainda, mas ela tinha pouca noção do tempo. Entrava um falso raiar de sol sob a persiana. Aquela luz forte a dopava. Fazia com que se lembrasse dos tempos de olhar o sol enquanto ia ao parque para andar de bicicleta. Enquanto as crianças circulavam, ela deitava sobre a grama verde e ainda cheia de orvalho. Lembrava de cada tombo, cada ralado que a prole adquiriu ao longo desses anos. Talvez até o menino fazer cinco anos. De lá pra cá tudo fora amnésia. Havia um vácuo no meio da história. Um período cego em que nada via, nada ouvia, nada sabia. As coisas aconteciam. Nada era memorável.
Ela se encontrava entre sentir falta e sentir culpa. Às vezes pensava ser melhor assim. A proposta era simples: cada um por si. Sem matar, sem morrer – vivam.
Ela se afundava no travesseiro e tentava enxergar contra a luz. Já tonta por causa da luz, desviara o olhar e vira na parede uma marca de giz de cera. Um rabisco ou uma obra de arte, depende do ponto de vista. A menina apanhara aquela noite. Ela desenhara um diabinho vermelhinho, um tridente, aqueles chifrinhos pontudos. Desenhara um anjinho que sorria indiferente ao diabinho. Era tudo muito subjetivo. Era um desenho de retas e círculos imperfeitos. Eram rabiscos. Mas a interpretação levava a crer que... Na verdade, psicologicamente queria dizer que... Aliás, o bacharelado em psicologia a fazia pensar que deveria ter desistido de psicologia e ido atrás do circo quando quis fugir. Ou dançado balé quando quis.
Sentou-se, abraçou as pernas e apoiou a cabeça na cabeceira, encaixando a orelha na parede. Paredes finas, paredes fracas, paredes vulneráveis a som, só tapeavam mesmo a visão. Ouvira lágrimas secretas. Lágrimas contidas que teimavam em sair. Tinha certeza de que era algum de seu gene. Tentar ser forte era proveniente do pai. Não conseguir, era dela.
Tentou imaginar o que teria acontecido caso continuasse a agir com o superprotencionismo de antigamente. Fora tão boa mãe, digna de cartões de dia das mães, de flores de dia da mulher, de café da manhã na cama em dia de aniversário. Mas tudo mudou quando resolveu se afastar. Sabia que fora sua escolha. Mas sua escolha poderia mudar! Poderia mudar naquele momento.
Um plano mirabolante perambulava em sua mente. Arquitetava a fuga secular! Estava sendo observada pela tecnologia criada por seus iguais. Mas seria a criatura capaz de superar a genialidade do criador?
*****
O plano estava formulado. Havia de esperar e se controlar. Confiava mais que nunca em si mesma.
Talvez fosse melhor esperar a chamada final, a hora que havia de ser dado o veredicto. Era só esperar...