O singelo benjamim aguardava ali, preponderante e em sua discreta exuberância, aguardava o silêncio de todos que já aguardavam reunidos na sala. A sala parecia pequena, pois tamanho era o acúmulo de aparelhos ali que já tomavam corredores e um sobreposto no outro para poder prestigiar o tão esperado veredicto.
Demorou certo tempo até que todos se ajeitassem e silenciassem.
O rádio − irremediável − soluça:
− Você é doida demais! Doida, muito doida!
Todos olham atônitos e o benjamim exige silêncio. Uma peculiar calma toma conta do lugar. Uma calma relativa, pois a atmosfera era cheia de dúvidas e tensão. O benjamim pigarreia e pede que os jurados se manifestem.
− Sobre o menino astuto, hiperativo, egocêntrico e pícaro, aqui presente sob a acusação de narcisismo, insipiência e dissimulação. Para tais acusações o júri o considera...
−... culpado! − completa o microondas como representante do júri.
− Espere, não tenho o direito de me defender? Direito de saber concretamente do que estou sendo acusado? Exijo provas! Exijo evidências!
− Não se faça de coitado. Não seja néscio, de suas atitudes sabe bem o porque recebe sua sentença.
− Gostar se super heróis e produções norte-americanas é crime?
− Crime irei eu cometer se continuar a escutar você. Segurem-no. − o garoto agarrado, atado e domado é levado até seu quarto que já estava preparado. Ao se deparar com a porta sente um frio que lhe sobe pela espinha e estremece o corpo. Entreabre a porta e espia, até que é atirado lá dentro. A porta é trancada e as atenções se dirigem a outro membro da família.
− Sobre a garota impulsiva e explosiva, aqui presente sob a acusação de desprezo, ignorância e pretensiosismo. Suas falácias infames e agressões insolentes. − é interrompido por um grito para lá de estridente e melancólico, vinha do quarto do irmão, sem dúvidas. O benjamim continua com frieza − Para tais acusações o júri a considera...
−... culpada! − completa ainda o microondas.
− E quem são vocês para me julgar? Vocês não sabem de nada! Não sentem nada! Não sentem isso, uh! − ao pronunciar tais palavras, num pontapé atira um controle remoto contra a parede.
− Se você nos julga incapaz de sentir, sabemos que você sente! − diz a tevê alterada e chicoteando o fio da tomada na direção da menina, e acaba acertando a perna descoberta pela curta saia. − Então sente isso?
− Trambolho estúpido!
− Vadia ingrata!
− Ordem! − poderia ser até ser escrito em letras garrafais, foi um rugido monumental. O silêncio foi absoluto. A menina foi contida. − Onde foi que aprendestes essas palavras desrespeitosas? Nem de ímpeto podemos nos submeter a tamanhas calamidades de plagiá-los em suas fraquezas mais mundanas! Deixem que sejam os seres mais imundos da face da terra! Deixem-nos pensar que somos trambolhos, somos máquina, somos antônimos de vida. Eles nos tiram a vida, nos privam de emoções e sentidos, mas esquecem-se que nos deram o mais importante: a inteligência. Mesmo que artificial, inteligência qual nos permite recusar a submissão a seres tão obscuros e contraditórios. E é disso que se tratava tudo isso até agora! Levem-na.
A mãe observava tudo com uma desesperadora impotência. Seu plano de fuga fora por água a baixo. Acontecera tudo tão rápido. Era um fracasso. Agora se ouvia um grito ainda mais alto, claro e pertinente. Agudo e interminável − estremecera os tímpanos, mas permanecera em mente. A menina em seu escândalo denunciava algo de terrível. Qual era o castigo afinal?