Há lá por fora
um luar
que é um divino pecado...
se viesses, meu amado,
se surgisses agora
ao meu olhar,
se me apertasses, trêmula de susto,
ao teu formoso busto...
Paira lá fora o luar
a tentar a paisagem,
as almas a tentar;
se viesses, meu selvagem,
com teu querer imperativo e rudo,
com teus modos brutais,
a esta lua macia,
eu tudo
te daria
e mais
e muito mais!...
Que seria de mim,
deste meu pobre amor, ai que seria,
se houvesse, noite a noite, um luar assim?
Repara o encantamento
da dor a que te exponho e a que me imponho,
neste mútuo querer de intérmino adiamento.
Gozemos ambos o prazer tristonho,
a ventura dolorida
de prolongar o sonho, que há no sonho
A realidade mais feliz da vida.
A lua desce numa poeira fina,
que os seres todos alucina,
que não sei bem se é cocaína
ou luar...
Fosse eu agora para a rua,
assim, tonta de lua...
Não é noite, nem dia.
Observo, com surpresa,
em toda a natureza
uma triste alegria.
Repara bem que paradoxo no ar,
que dolorosa orgia
em que a alma peca com vontade de chorar!
O meu amor por ti é uma noite de lua,
em que há quanto prazer, em que há tortura quanta,
Em que a alegria chora e a tristeza canta,
Em que, sem te possuir, sou toda tua...
O meu amor por ti é uma noite de lua,
misto de ódio e paixão com que repilo e quero
todo o teu ser de modo mais sincero,
fugindo-te e sonhando, a cada instante,
Palpitante
de gozo
meu corpo amado e amante.
Fosse eu agora para a rua...
Vagabundeia o luar tentando as cousas todas
para prolongamentos, para bodas...
Se chegasses, num lírico transporte,
Se chegasses, meu servo e meu senhor,
A vida que valerá e que valerá a morte,
Diante do nosso amor?
Ao teu abraço cálido e nervoso,
O etéreo tóxico entorpecente,
pela janela,
chega-me à boca, meus lábios gela...
Que frio ardente!
Embrulho-me num manto, olho o espelho: estou nua.
A alma fora de mim, zombando dos refolhos
em que me abrigo.
A alma a fugir-me pelos olhos,
ébria de pó de lua.
Sangrando luz, pendida a trança flava,
uma estrela do além se despenhava...
— Sorriste olhando-a, entristeci-me em vê-la...
Com a alma em fogo, pela noite fria,
em vertigens de amor eu me sentia
rolar no abismo como aquela estrela...
Gilka Machado, em "Meu Glorioso Pecado", 1928.
É quando se tem cinco inocentes anos e a poesia é rimar amor com calor, ama com chama, amor com calor, olho com espelho, ana com banana. E hoje minha insensibilidade só me limita a esdruxular com toda a poética métrica, com a simbologia do ABBA, AABB, ABAB. Usar as mesmas palavras: sol, lua, chuva, amor, calor, sorriso, abraço, beijo, menina, mulher, praia, areia, pequena. O verbo querer em todas as conjugações, número, tempo ou pessoa. A verdade é que eu odeio poesia.
As linhas
Parecem
Todas
Incompletas
Há vazio
Frio
Come,
Devora,
Esvazia
E o fim
É não ter fim.
O dia em que eu chorar lendo uma poesia é o dia que eu me renderei e arrependerei de tanto desgostar e as lágrimas estarão ali pra comprovar. Mas a graça das palavras estão no encaixar. Sem sujeito, nem predicado. Pleta-incom. Perdeu o sentido, e a meus olhos a graciosidade e ferocidade.
Que me perdoem os poetas, o classicismo e até a contemporaneidade, mas as linhas completas numerosas e cheias e aqui vos dizem só estão sendo sinceras. Falar de amor e não ter amor. Falar de abandono e não ser abandonado. A sensibilidade do poema é o inimigo da verdade.
Mas aí me engano, e o poema sabe.
O poema sabe que o silêncio é seu pior inimigo.
E silencia.
E se cala.
E se acalma.
E te desespera.
E o fim
É não ter fim.
Dedicado a um filósofo grego cujo nome é aumentativo de plato.