Caminhando a passos largos. De um lado uma parede estampada: "Odeie seu ódio". Nas paredes estruturais do parlamento: "verás que os filhos teu não foge da luta". A concordância ou discordância verbal era só um manifesto.
Hoje o EmFuga não veste preto mas está de luto. Luto por falta de concordância - entre a realidade e o bom senso. Verde e amarelo, temo que não. Co-lo-ri-do.
Ouviram do Ipiranga às margens plácidas, de um povo heróico o brado retumbante. - Imagine o quão grave foi esse brado, o quão grandioso era esse povo, retumbou! - ...conseguimos conquistar com braços fortes. - Em teu seio, ó liberdade, desafia o próprio peito a própria morte. Ó, pátria amada, idolatrada. Salve, salve. - gravíssimo, em tempos parece até "salve" um pedido de socorro. Engraçado como as pessoas cantam empolgadamente o hino como quem não sabe que está fazendo juras eternas de amores e fidelidades. Oferece a pátria a própria vida, "a própria morte."
...és belo, és forte, impávido colosso. Se o teu futuro espelha essa grandeza, (Mas ergues da justiça clava forte.Verás que o filho teu não foge à luta, nem teme quem te adora a própria morte,) terra adorada. Entre outras mil, és tu, Brasil, ó pátria amada. - Acontece que se o impávido colosso ruir, são braços fortes que o sustentarão. Dos filhos deste solo és mãe gentil...
E eu? Estou em estado de cólera, pátria amada, Brasil.
Como já era de se esperar, olhava pela janela. Via o céu mudar de cor e as nuvens de forma. Conforme o fluxo de carros ia aumentando, aumentava também o nível de dióxido de carbono - tanto na atmosfera quanto em seus pulmões. Aumentava também seu mau humor. Regado a café e cigarros assiste ao sol omitindo uma gélida verdade: era o dia mais frio do ano.
Conforme as folhas iam caindo no mesmo jardim onde rosíssimos botões se abriam lentamente. Seria um péssimo dia para um cronista de palavras homicidas.
Assim que liga o carro, joga o jornal no banco de passageiros, desiste de sintoniza qualquer rádio que toque qualquer música que seja de um sex appeal vulgar demais para seu apurado gosto. Passando por debaixo de uma estrutura estranha que alguém chamaria de passarela, lê: "Agradeça ao presidente pelas obras do Rodoanel." Logo mais a frente, "Governo de São Paulo, melhorando cada vez mais. Agora com o Rodoanel."
Era um tanto quanto paradoxal.
Ele se julgava paupérrimo demais para ser de direita, mas era (inteligente) racional demais para ser de esquerda. Não sabia no que acreditar. Só sabia que não acreditava no homem. Nem na palavra. Honra? Verdade? Esperança? Ordem? Progresso? Difícil de acreditar.
"Agradeça a seus pais, avós, vizinhos e amigos, ao motorista do caminhão de lixo ou ao dono do maior empreendimento que conheça, afinal todo o suor culminou nas obras do Rodoanel."
Foram suas últimas palavras.