Vejo na despensa da minh'alma
irrequietas
cerezas em conserva de saudade
todas nadando no vidro transparente,
olhinhos de chuchu vermelhos, na calda vermelha.
Ri quem não tem colírio (e nem nariz).
A musa − vermelha e dentuça − iluminava às segundas-cálidas-feiras.
Utinga veste o manto alviverde − imponente?
gogó de enfeite desceu pro pulso, amante latino,
uns dedos de moça de quem sabe tocar piano.
Só porque a receita do bife leva ajinomoto,
torrada aqui é feita de pão doce e orégano.
urbana a legião, cantava na linguagem que só os cães entenderiam.
− Sabe onde estamos?
Mudos falavam e comemoravam aniversários. Truco.
Amigas − não minta − odiavam-me: e todas hão. Seis.
Não me chames Clarice, nem Veríssimo, nem Ono. Nove.
F do carre*our apagou. É doze.
Regdur emprestava-lhe a sunga. Blefe.
Estava com a camisa vermelha sob o manto estrelado das Américas.
Di era o último a sair, chocolate na testa,
infantil I: reprovação.
Na-na-na-nanananaaaa*
Instante, roda gigante, aperto no coração.
Vida? − urge por transformação. LET IT BE.
Iríamos ao parque de diversões,
− Tudo bem, querida? − e depois,
apresentar-me-ia os narizes mais altivos! Num parque mais além,
lá onde guardam os segredos dos cinéfilos fazedores de ciências sociais.
Bom ombro tem, sabes que tem! E guardo para ti o meu;
− e me ensinou: lá dentro do peito, silêncio é bom também −
seria a voz (desafinada) da tua bondade ecoando:
− Sabe onde estamos? − tudumpás
alegra-me, cereza!, cante mais uma e nunca vá.
* ps 1: mais tarde, em mente e em coração, mudaria o verso para "Não fazes ideia da importância que tens pra mim, sim?", mas por questões satíricas, Hey Jude seria mais apropriado. Te amo. Obrigada por tudo, Victor Augustus Manfredini Vital Bessa.
ps 2: Se vier a reencarnar, nasça com um nome menor, não aguentarei outro acróstico-epopeia.
(para Danielle Takase)
"Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?"
Hilda Hilst: Do desejo
É tarde, a noite nasce
Na salinha de livros, encontro-te debruçada
Em cima de uma leitura longa
Longínqua sensação, quietude
Os olhos fechados como riscos sutis,
Exuberância até no despertar,
Como quem só dissimula o sono, e não dorme
Imensa a noite cravada na salinha
Quando me diz de teu amor
Livros
Arrumados na estante e desarrumados dentro de ti
As capas trapaceiam, são meigas
Ah! Ansiedade em agarrar o instante
Em que pousas dócil em cima das páginas
Enquanto crianças na rua brincam, eufóricas
Toda essa implacável inocência me constrange
Autonomia descompromissada de um pássaro
Assim, a levantar vôo quando começo o romance
Sombras, inacessível teu rosto na salinha
Corpos
Invadem o cômodo, provocam a eternidade
Minha vigília agora desconcertada e uma falta de ar
O pássaro, negro de tanto querer, pia sermões de libertinagem
Dilacerada qualquer ilusão, corruptível o anjo nu, ninguém imune
Arrepiada até a virgem do quadro que, imóvel, assiste ao ato
Todo o tormento torna-se bom, o pássaro assim livre
Gemidos ecoam em todas as páginas, como é que foram rasgar?
Opressivo, o duelo já é mais que hábito
Necessidade maníaca de ser/ler, mesmo quando fecho o livro
Risos
Enquanto conto tais sutilezas do pensamento, me confortas:
''Poesia é beijo de mãe antes de dormir / Quando ela está ausente''
Desfila pela salinha com o livro de poemas, provocativa
Batalha que recomeça agora com o sabor do real
Diz mais: ''Imundo, este mundo que habito / A letra sem alfabeto''
Não aguento a educação, quero a dança dos corpos
E quem se propõe a desfrutar da salinha, precisa também ser vítima
Mas erro o gesto, poesia não é beijo de ladrão
Ela corre, em fuga...
Por Renato Virginio