As flores secaram de uma hora para a outra. Foi um engano crucial. O frio voltou para avisar que o inverno ainda soprava meus cabelos. Os quinze graus foram só um aviso magoado.
Me perdoe, inverno, por estar enganada. Como pude confundir, logo você, que me deixa tão inspirada.
Porque tudo no inverno provoca mais, até suspiros são mais prolongados, até o respirar se torna mais difícil. Até o nascer do sol é mais poético, pois ele se torna adorno dos céus, apenas um penduricalho a mais. Não traz calor, mal traz luz, só traz esperança. Esperança? Não! Traz dúvida. Ele nasceu, ele está ali. Era improvável, mas ele está ali. Ele nasceu, e em dia de nuvens fartas você nem o vê, mas sabe que está ali. Expectativa.
Os ventos, traga os ventos, inverno, não os esqueça. Esvoace muitas madeixas, chacoalhe muitas pétalas e galhos, arranque e derrube muitos chapéus, derrube muitas roupas do varal, provoque muitos arrepios. Acima de tudo: faça-os querer calor.
Esqueça da chuva, para que todos sintam falta dela. Adie o quanto puder a volta da garoa. Assim, quando ela chegar, quantos serão os loucos que vão se banhar sob aquelas generosas geladas gotas?
E os ventos mudaram de direção - direção ou sentido? Não se sabe ao certo. Mas sentido, é isso. A diferença do vento é sentida. Na pele, nos poros, nos arrepios.
O inverno não fora rigoroso com ela - comigo em especial - mas sim com as palavras. Mil estórias me passam pela cabeça, giram, brincam, se estapeiam e fogem. Não hoje. Se o vento as desejava tanto deveria ter esbravejado mais, levado-as embora enquanto tinha tempo - e tinha todo o tempo do mundo.
Eu aguardo seu perdão, querido inverno, por meu mundano e leviano engano, com o cachecol nas mãos e um cobertor vermelho jogado na cama desarrumada.
Flores nascem surpreendentes de galhos secos. E é setembro. É primavera. E só me dou conta quando vejo flores. Flores e amores. Cores, odores e sabores. E essa rima é o que melhor as define. Setembro.
Quando eu te disse que não precisava esperar, eu menti.
E setembro começa. Começa de um amanhecer dourado e sujo. Simbólico. Não para mim. Inconscientemente sei muita coisa. Observando, descobri muitas coisas. Sem observar, me dei conta de muitas coisas. Medo de estar enganada me faz esquecer muitas coisas que descobri, observei ou me dei conta - inconsciente.
E os vinte-e-poucos Celsius apontam para uma madrugada de peles macias e desnudas arranhando lençóis que mais incomodam do que confortam. E a ideia de mais um dia escaldante é mais pitoresca em contos de fadas.
Que é o alvorecer? Noite? Dia? Dorme? Desperta? Denotativamente não importa. São eles que alvorecem.
Aliás, sonhos. O que são sonhos. Desejos. Amores. Flores. Cores. Sonhos. Cavalo branco num campo florido? Cheiro de relva ou de florezinhas campestres? O vento, uma árvore, um balanço, o vestido, vestido algum, o lago, o anoitecer de um manto escuro respingado de tinta prateada, a grande bolha prateada, o reflexo imperfeito da lua no lago, corujas? sapos? E um número perfeito. De tão perfeito, imperfeito. Dois.
Sabe qual a doce - e que incrível, não azeda, nem ácida - aroma importuna minhas memórias a esta altura? Um galho donde pendem ramos e folhas e flores e limões. Doce. E imperfeito.
Quando eu disse que tudo daria certo, eu falava sério.
E a esta altura nada é perfeito.
Primavera, para que te quero?