Ela respirava profunda e brandamente. O mesmo ar que soprava e desfazia seu penteado. O mesmo ar que acariciava a pele de algum alguém, em algum onde. Levanta os olhos ao céu. Queria ser sugada até lá, só para sentir o calor do sol mais de perto, ou repousar nas nuvens de algodão. O que recebeu foi uma gota que da testa escorreu-lhe pelo rosto todo. E outra gota. E outra. E outra. Gotas fartas, gotas brutas, aflitas. Partem na nuvem em busca de um chão. Talvez cansaram de voar. Talvez a nuvem não seja tão aveludada assim.
Parafrasear clichês de nuvens de algodão. De gotas que caem e se tornam lágrimas. Mas dizer que lágrimas são gotas, é dizer que os olhos são espessas bolitas de ora névoa ora limpidez. Olhos são céus.
Já ele, protege-a da chuva. Tem-na nos braços, envolvida, frágil, vulnerável. Não se vê, não se escuta, não se sente. É de um abstrato mais que substancial. É um abraço que mesmo sozinho, acolhe. E num fechar de olhos a escuridão já é luz. Num abrir de olhos é vazio, solidão. Chuva. Uma gota na testa.
Ela deu boa noite com uma ternura fora do normal, com tal ternura nunca antes demonstrada. Apesar da ternura, foi dormir com uma sensação engraçada, um aperto incômodo, um desconforto extremado. Sentindo algo fora do lugar.
Noite escura, silenciosa, intensa. Noite de provocar falta de ar e suspiros e incertezas. Angústia. ¿Qué pasa?
Ela ali, exausta mas confortada, tinha cobertores que a aquecessem numa noite tipicamente fria de inverno. Não há ruído, não há sombras, não há luz. Tudo parece inexistente - subsistente.
Lá, exausto, com roupas que mais agrediam do que aqueciam, sequer sabe-se onde. A cidade nem parece acordada, parece mansa e inofenciva, completamente sonolenta e vulnerável. É cabível que seja o único a perambular - bêbado, mas consciente o suficiente para auto-conhecer cada pedaço de sua estupidez.
Ela aperta o cobertor contra o peito procurando entender o motivo de se sentir tão mal. Dificuldade de respirar, talvez seja psicológico. Talvez esteja perdendo tempo pensando nisso. Relutando contra uma turbulência interna, cai no sono, mas seus olhos não se fecham descansados, mas preocupados.
Sentado no guia de uma esquina qualquer, onde os postes eram pálidas luzes de sódio que deixavam sua aparência ainda mais fúnebre. Vômito. Vomitou palavras não ditas. Ressaca de cerveja, vinho barato e vodka má qualificada, arrogância e ignorância. A esta altura mal se sustentava em pé, mal se sustentava na vida. Aquela imagem era o retrato do que construíra na vida: atirado ao chão sobre os restos substanciais adquiridos de seus mals costumes e ações impensadas. Visto de qualquer ângulo era um desgraçado, digno da mais indigna pena.
Ela em seus sonhos turbulentos como seu sono se via andando num pedaço de chão entre dois abismos, onde ventos fortes vindos de todas as direções tentavam desequilibra-la. Lágrimas desesperadas saíam de seu rosto, fraca, um passo em falso, um tropeço, cai, desmorona, flutua o caminho dos ventos numa queda sem fim até que acorda.
Desenhando nos poucos vultos que o rodeavam um rosto jamais visto. Uma saudade intitulável de algo que nunca possuiu. Uma necessidade estranha de algo que nunca teve. As paredes pareciam cair sobre ele, numa rua dem saída de paralelepípedos ásperos. Pegou no sono assim mesmo, uma expressão que mistura alívio, culpa e não - era só uma cena que expressava solidão.